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domingo, 18 de novembro de 2012

A «Outra Senhora» não gostava de vermelho

"José Águas e Costa Pereira foram perseguidos e ameaçados, Santana foi preso e torturado pela PIDE. A cor das camisolas foi banida, o hino do clube silenciado. Mas o tom da resistência continuou vivo.

" «No tempo da Outra Senhora», dizia-se. E ainda se diz... Uma senhora salazarenta, sinistra. O hino do Benfica, «Avante p'lo Benfica», da autoria de Félix Bermudes e Alves Coelho foi silenciado pelo regime fascista. Soava a comunismo.
Os vermelhos deixaram de ser vermelhos. Era, também, excessivamente comunista. Passaram a ser «encarnados».
A «Outra Senhora» não gostava de vermelho. E muito menos que houvesse gente com coragem para gritar »Avante!»
»Fui à António Maria Cardoso por diversas vezes», contava José Águas, antigo «capitão» do Benfica. Antónoi Maria Cardoso foi um oficial da Marinha, explorador de África. O seu nome não tinha nada de sinistro. Depois a PIDE instalou-se num edifício da Rua António Maria Cardoso, ali ao Chiado. E, para sua desgraça, uma aura sinistra envolveu a sua graça.
José Águas, nascido em Angola, sempre foi conhecido por expor francamente os seus pontos de vista. Num tempo em que a expressão podia ser crime, isso trouxe-lhe amargos de boca: «Houve um 'bufo' que transmitiu à PIDE o teor de algumas conversas que eu tinha tido num café no qual costumava encontrar-me com um grupo de amigos», contava Águas. «Fui interrogado por várias vezes. Aconselharam-me a não me meter na Política. Cheguei a ver o caso muito mal parado. Felizmente, o Futebol sempre influenciou fortemente aqueles que era mais susceptíveis de serem influenciados. E os senhores da PIDE nunca foram mais esclarecidos. Mas chegue a sentir medo. Muito medo!»
A participação do Benfica nas Taças Europeias também deixava a PIDE em estado de alerta máximo. Sobretudo quando metia deslocações aos países que ficavam para lá da «Cortina de Ferro». Costa Pereira costumava contar que, antes de uma deslocação do Benfica à Bulgária os principais jogadores da equipa tinham sido chamados à PIDE para uma sessão de esclarecimento. «Disseram-nos que os comunistas era todos vigaristas e que nós precisávamos de ter muito cuidado. Davam o exemplo do brasileiro Vavá que tinha distribuído uns autógrafos e alguém pegara numa das suas assinaturas e a colocara no final de um artigo no qual contava mentiras incríveis sobre as barbaridades praticadas nos países fascistas. E davam-nos uma ordem terminante: concediam-nos todas as facilidades para nos deslocarmos, mas impunham uma condição - não dávamos autógrafos a ninguém! E se um dia aparecesse nos arquivos deles um artigo qualquer em desabono da nossa situação Política com a assinatura de algum de nós, iríamos ter problemas gravíssimos».

Santana foi preso e torturado
Mas houve mais, muito mais. Sempre com o Benfica no centro dessa doentia aversão que a «Outra Senhora» tinha pelo vermelho. Santana, outro dos principais jogadores do Benfica dos anos 60, era também uma figura conhecida da António Maria Cardoso. Por razões diferentes, no entanto. As suas ligações aos movimentos de libertação de Moçambique eram fortes. Numa das viagens do Benfica a Praga encontrou-se clandestinamente com o teu velho amigo Marcelino dos Santos e com o tenente Veloso, um dos comandantes de Frelimo. Ambos lhe pediram para trazer determinadas mensagens para elementos que estavam em Portugal. A PIDE não lhe perdoou. Puseram-lhe o telefone sob escura. Um dia, os agentes surgiram no Estádio da Luz para o levarem. Esteve preso durante muito tempo. Foi torturado. Emagreceu quase dez quilos. Por mais de uma vez, brigadas da Polícia do Estado estiveram no seu quarto do Lar do Benfica, no qual moravam muitos dos jogadores da época, procurando documentos que o comprometessem. Nunca os encontraram.
«Quando foi o caso do Santana, aconteceu que eu tinha telefonado na véspera para casa dele», contava José Águas. «No dia seguinte tive de me identificar na PIDE. Quando o prenderam, percebi que também eu estava metido num sarilho. Dois ou três dias depois, notei que andava a ser seguido. O homem tinha uma cara que nunca mais esquecerei. Escondido atrás de um jornal, parecia um daqueles agentes secretos dos filmes. Nem posso dizer o que senti nesse momento...»
Palavras únicas. Registos óbvios de grandes e insuspeitas figuras. Sinistra «Senhora» essa dada a perseguições e a torturas.
Mas o vermelho continuou vivo."

Afonso de Melo, in O Benfica

adenda:  Rectifiquei o local de nascimento do José Águas (Angola seguramente...), no caso de Santana, sei que também nasceu em Angola, mas creio que as ligações à Moçambicana Frelimo existiram mesmo...!!!

3 comentários:

  1. O grande Zé Aguas nasceu em Angola mais concretamente na cidade de Luanda e viveu toda a sua adolescência na cidade de Lobito, antes de ingressar no S.L.Benfica.

    O grande interior-direito Joaquim Santana nasceu na cidade do Lobito,e saiu do Sport Clube de Catumbela para o Benfica.

    Com todo o respeito que o Afonso Melo me merece, mas esta estória de relacionar estes dois monstros sagrados com os movimentos de libertação de Moçambique, está muito mal contada :-)

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  2. Também me pareceu... mas não quis alterar...

    Abraços

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  3. a referência à naturalidade de Águas só pode ter sido distracção. o Afonso Melo ainda há bem pouco escreveu no jornal a história de como Águas foi trazido de África após uma digressão do Benfica. e não o liga a nenhum movimento delibertação. diz só que foi chamado à PIDE. quanto ao Santana, não me admiram as ligações. nesse tempo havia proximidade entre quem pertencia aos movimentos e preparava acções na Europa. aliás, lembro-me bem de A Bola ter publicado uma reportagem deste género nos anos-70. mas enfim, é a minha opinião...
    LC

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