"Se retiramos a parte da fruta à frase de Vieira sobre a história «marcada há 30 anos por fruta, compadrio e corrupção», fica a ideia de que ele falava, afinal, do País?
ISTO é como na arte. A discussão promete ser eterna e, ao contrário do que possa parecer, nada tem de filosófica. A questão apresenta-se assim: é o futebol que imita a vida ou é a vida que imita o futebol?
Tomemos, por exemplo, o caso nacional que é aquele que conhecemos porque nele vivemos todos os dias. É o futebol & afins um mero reflexo da sociedade portuguesa ou, pelo contrário, é a nossa sociedade que reflecte impiedosamente o tal futebol & afins?
Tenho uma opinião muito própria sobre o assunto. O futebol português não é o reflexo da realidade portuguesa. É a realidade do reflexo. E com todas as letras.
Surgiram-me estes pensamentos durante toda a última semana marcada, no que ao país diz respeito, por notícias revoltantes sobre economia, justiça, isenções fiscais e isenções criminais, contas públicas e privadas, jornais e jornalistas, capitais e capitalistas e por aí fora, numa espiral depressiva que é um abuso a que não se advinha termo.
Esta é a realidade.
Vamos agora ao futebol, ou seja, à realidade do reflexo.
No campo ideológico do futebol & afins, naturalmente, não são, estas coisas tristes do país que se discutem e que fazem vibrar de indignação (ou mesmo espumar) a maioria qualificada dos sociólogos do fenómeno desportivo português.
Nesse dito campo, onde o fair-play impera, estão ainda na ordem do dia por motivos imperiosos o rol das ocorrências verificados no pavilhão do FC Porto quando, há 15 dias, o Benfica foi lá conquistar o título nacional de basquetebol e também, na consequência dos ditos acontecimentos, o rol de palavras debitadas por Luís Filipe Vieira no decorrer da homenagem, já em Lisboa, aos campeões da bola-ao-cesto.
Disse o presidente do Benfica nessa ocasião, e disse-o pausadamente, que no campo do futebol & afins
(o basquetebol é, como compreendem, um afim) vigoram em Portugal «30 anos de história marcada por fruta, corrupção e compadrio».
Porque para que a frase de Luís Filipe Vieira seja assertiva no campo da vida social portuguesa basta retira-lhe a parte da «fruta». Ou, se quiserem, substitui-la por outros bens de primeira necessidade à escolha do freguês.
Inadvertidamente, o presidente do Benfica traçou um curioso e pitoresco retrato da sociedade portuguesa tal como se nos vem apresentando «há 30 anos de história marcada por corrupção e compadrio».
Viram que sem a fruta fica também que nem um brinquinho?
É por estas e por outras coisas que até gosto de ouvir dizer que o Benfica não é o clube deste «regime». Safa!
COMO o presidente do Benfica foi bruto como as casas com o presidente do FC Porto, e sem nunca o nomear, o FC Porto respondeu em comunicado optando por também nunca nomear o presidente do Benfica.
São escolas de comunicação com a mesma matriz e, quando a isso, nada a obstar.
O comunicado do FC Porto dirigia-se aos «burros» em geral e terminava com um apelo às instituições da nossa sociedade judicial. É sempre interessante quando, nestas coisas, a realidade do reflexo bate à porta do reflexo da realidade a pedir-lhe que intervenha e, de preferência, com a polícia atrás.
Foi o que o FC Porto fez solicitando, à guisa de remate, uma investigação da Procuradoria-Geral da República «ao ataque à honra e imparcialidade dos juízes e da polícia» levado a cabo pelo presidente do Benfica.
Muitos analistas e opinadores, como se compreende e amplamente justifica, têm vindo a fazer suas palavras finais do comunicado do FC Porto e, apesar de já se terem passado duas semanas sobre o pico dos acontecimentos, continuam a exigir com firmeza a intervenção da Justiça sobre a responsabilidade das palavras proferidas pelo presidente do Benfica.
Que me desculpem os benfiquistas mas não posso estar mais de acordo com o FC Porto neste pormenor.
Houve factos e acusações no passado que chegaram ao conhecimento público, é verdade que sim. E factos alguns deles bem mirabolantes. Mas por tecnicalidades do código civil e por erros processuais acabaram por se diluir em nada. Bom, em nada também não é bem assim.
E é isso que é insuportável para o fair-play e para a verdade desportiva.
Ficou no ar, e ficará por décadas, todo um chorrilho de suspeitas sobre uma inverosímil promiscuidade entre os «juízes», a «polícia» e os acusados, promiscuidade que o FC Porto condena ao exigir, como está no seu direito, uma reparação judicial «à honra e imparcialidade» das instituições beliscadas.
Continuo a dizer que não posso estar mais de acordo com o FC Porto. É urgente esclarecer estas coisas de uma vez por todas. «Mas será que alguns dirigentes deste país só gostam da polícia quando esta os avisa que têm de fugir do país para não serem presos?» - foi a frase de Luís Filipe Vieira que mexeu com memórias colectivas não muito longínquas e que mexeu, na justa medida, com a parte final da redacção do comunicado do FC Porto.
Que venha, pois, a Procuradoria-Geral da República pôr ordem nisto.
Mas despachem-se. Não percam tempo. Não se vá dar caso idêntico ao que recentemente suscitou um inquérito a pedido da Magistratura. De acordo com o Sol, corre já uma investigação «na secretária do Tribunal da Relação do Porto» que visa apurar responsabilidades e saber «o que se passou» para que «o processo principal do Apito Dourado ficasse um ano parado de forma anómala».
A consequência, ainda segundo o Sol, «é que os crimes de corrupção desportiva estão a prescrever e os onze arguidos condenados ficarão impunes».
É isso mesmo. Quem cala consente.
O Benfica que, aparentemente, ainda em litígio negocial com a Olivedesportos há meses e meses bem podia pôr os olhos no seu rival do Norte, o FC Porto, no que diz respeito às relações institucionais e comerciais com a referida empresa, e tirar em benefício próprio proveitos de valor inestimável.
Ainda a propósito do jogo do título do campeonato nacional de basquetebol, e de acordo com o que foi relatado na comunicação social, o FC Porto terá rompido bondosamente os acordos com a Olivedesportos e com a Federação Portuguesa de Basquetebol de modo a transmitir em exclusivo no seu órgão emissivo de televisão, o Porto Canal, o decisivo frente-a-frente com o Benfica.
Ou seja, a Sport TV, que tinha os direitos de transmissão assegurados, ficou a ver navios. Ou submarinos, como quiserem. Estamos em Portugal e o que não falta é mar.
Não estará já a tardar a reacção oficial da Olivedesportos sobre esta grande rasquice, incomensurável vergonha, este escândalo para as instituições? Joaquim Oliveira ainda nem se pronunciou publicamente sobre o assunto que, francamente, o deve estar a magoar.
Não me interpretam mal. A questão não é a eventual quebra de um contrato. A questão é exclusivamente de índole artística-operacional e da falta de confiança demonstrada pelo FC Porto na qualidade da transmissão do jogo pela Sport TV.
A falta de confiança na escolha dos ângulos das câmaras dispostas pelo pavilhão, a falta de confiança na capacidade do realizador em colocar no ar as imagens adequadas a cada situação, a falta de confiança no prestígio dos comentadores do jogo. Enfim, muita falta de confiança ao mesmo tempo.
Ninguém merece uma coisa destas. Nem a Sport TV.
Será que a Sport TV vai recorrer aos tribunais numa acção contra o FC Porto visando ser ressarcida de eventuais dolos? A Sport TV numa batalha jurídica com o FC Porto? Não pode ser.
Calma que o mundo não vai acabar!
Há coisas que, de facto, na NBA nunca aconteceriam.
CRISTIANO RONALDO foi a Belém despedir-se do presidente da República:
« - Convidamos pa europeu, tá? - disse, assim mesmo, o capitão da Selecção a Cavaco Silva.»
Agora anda tudo a fazer pouco do Cristiano porque tratou o presidente da República por «você». Não percebo. A mim, parece-me tudo muito bem e genuíno. Mas isto sou eu que gosto da realidade. E da realidade do reflexo."
Leonor Pinhão, in A Bola
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