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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Até porque já não estávamos habituados

"SEMPRE que, por esse mundo fora, o cidadão brasileiro Edson Arantes do Nascimento diz qualquer coisa, logo lhe responde o cidadão argentino Diego Armando Maradona, normalmente mandando-o calar.

Os dois já deixaram de jogar faz tempo mas os adeptos, por esse mundo fora, continuam a tomar partido por um ou por outro, fervorosamente. Trata-se do infindável despique desportivo e ideológico em que Pelé e Maradona se embrulharam até porque nem um nem outro têm a certeza absoluta de qual deles foi, na verdade, o melhor do mundo.

Compreende-se. Se não houvesse dúvidas nunca se teria prolongado a discussão entre os dois muito para lá das quatro linhas do campo de jogo, como concordarão. E sempre que Pelé fala - e Pelé é, sem dúvida, o mais falador dos dois -, Maradona responde-lhe invariavelmente com frases em torno do mote «calado és um poeta».

E é aqui que devo dizer-vos, em face de tudo o que vi e ouvi, que sou partidária de Pelé a jogar e de Maradona a falar. E nunca vice-versa. Embora, também em face de tudo o que vi e ouvi, frequentemente me sinta partidária de Maradona quer a jogar quer a falar.

Esta semana, numa entrevista ao site da FIFA, Pelé confessou não ter ficado espantado com o colapso do seu Santos frente ao Barcelona na final do último Mundial de clubes. «Tenho visto jogar este Barça, fazem-me lembrar o Santos dos meus tempos, ou o grande Benfica, o Ajax, o Milan e o Real Madrid. Foram equipas que marcaram as suas eras», disse o antigo astro brasileiro.

O elogio é estrondoso e de certeza que não houve um benfiquista que não se tenha sentido feliz. A verdade é que, mais uma vez, o menos antigo astro argentino tem razão quanto a Pelé. Mais lhe valia ter ficado calado. Ou, melhor dito, mais nos valia ter ficado calado.

Na opinião de Maradona, sempre que abre a boca, Pelé borra a pintura e estraga a vida a alguém. Foi precisamente o que se voltou a verificar. Desde que Pelé pôs «o grande Benfica» nos píncaros da lua, o Benfica perdeu dois jogos de seguida, coisa que não acontecia há muito e que não estava nos planos de ninguém.

Nestes últimos dois dias já ouvi muitos benfiquistas historicamente pró-Maradona a reclamar indignadamente contra Pelé.

-Se tivesse ficado calado!

-A culpa é tua que nunca dizes nada de certo!

-Agouraste!

Coisas assim.

Também já ouvi muitos benfiquistas filosoficamente pró-Pelé a dizer que uma coisa não tem nada a ver com a outra.

-A rapaziada estava cansada.

-Ainda não vinham completamente descongelados.

-É que nem o Xistra precisou de se esmerar.

Coisas assim, ainda que diferentes das primeiras.

De fundamental, em São Petersburgo e em Guimarães, aconteceu que o Benfica se tivesse tido um bocadinho de sorte até tinha conseguido empatar os dois jogos. De essencial, com o Zenit, o Benfica não mostrou tarimba para segurar o 2-2 a escassos minutos do fim e com o Vitória, o Benfica não mostrou nem força nem acerto para o assalto do final do jogo. Esteve perto... mas nada.

É natural que os benfiquistas se sintam levemente descoroçoados com estes dois desaires consecutivos. Até porque já não estávamos habituados. Mas até pode ser que aconteça que estas duas derrotas não venham a ter o menor impacto negativo no percurso da equipa nesta temporada de 2011/2012.

Basta que o Benfica elimine o Zénite e vença o campeonato nacional para que, no balanço da temporada, se possa dizer sem fugir à verdade que as derrotas de São Petersburgo e de Guimarães foram apenas curiosidades para compor as estatísticas.

É pedir muito? Que o Benfica afaste o Zenit e seja campeão, será pedir muito?

Não sei, não sabe ninguém, como no fado.

E é por isso que vamos aguardar, a ver se acontece ou não acontece.

E voltamos a Pelé e a Maradona. Para, desta feita, e por uma única vez, dar razão a Pelé e utilizar as suas palavras. Porque em qualquer década, em qualquer época e em qualquer século, «um grande Benfica» não hesitaria em responder como se lhe pede, ou seja, em grande, a estas últimas contrariedades. De um pequeno Benfica, já não se pode esperar a mesma coisa.


PEGANDO no mesmo mote... Um grande Benfica não pode consentir que o jogo da segunda mão com o Zenit para a Liga dos Campeões se transforme num vulgar Benfica-FC Porto para as nossas questiúnculas internas e tudo por causa de um vulgar Bruno Alves qualquer.

Seria, sobretudo, uma grande perda de tempo, para não falar da desconcentração que tal desconserto implicaria.

A entrada de Bruno Alves sobre Rodrigo foi muito dura. Há quem defenda que com um árbitro mais sensível o jogador até poderia ter sido expulso sem que fosse um escândalo. Mas o árbitro do jogo de São Petersburgo era sueco, gente de outra cultura mais fria, e entendeu o lance como um despique acidental entre dois jogadores porque, certamente, não lhe passa pela escandinava cabeça que possa haver jogadores que lesionam outros jogadores de propósito.

E nisto estou com o árbitro sueco. E com Jorge Jesus e com Luisão que desvalorizaram o caso reduzindo-o a uma incidência não pecaminosa do jogo. É normal que o treinador e o capitão do Benfica saibam como não é importante nem fulcral fazer do Benfica-Zenit na Luz uma manifestação absurdamente ruidosa contra um especialmente escolhido jogador adversário que, por coincidência, foi jogador do rival interno do Benfica.

O Zenit é de São Petersburgo não é o Zenit de Bruno Alves. Deixemo-nos, portanto, de menoridades. E concentremo-nos naquilo que é, realmente, importante: fazer o Benfica regressar a uns quartos-de-final da Liga dos Campeões.

Por ter imitado um cão quando marcou um golo ao FC Porto no jogo de São Petersburgo, ainda na fase de grupos na Liga dos Campeões, Danny foi massacrado pelos adeptos portistas com vaias constantes quando o Zenit foi ao Dragão. E, quando o jogo acabou, lá o vimos regressar às cabinas com os ouvidos cheios mas com a satisfação de se ter qualificado com a equipa para a fase seguinte da prova.

Danny foi agora chamado a depor sobre este caso de desamor entre os benfiquistas e o seu compatriota português e foi muito sucinto a expressar a sua ideia: «É uma estupidez passar o jogo a assobiar o Bruno Alves». Danny sabe como poucos do que está a falar.

No entanto, dificilmente passará Bruno Alves despercebido no jogo da Luz, isto se o treinador o colocar em campo na equipa titular.

Se ainda houve alguns - poucos - benfiquistas puristas que se disponibilizaram a acreditar que a entrada de Bruno Alves sobre Rodrigo não foi maldosa, perderam toda a fé na inocência humana quando, no dia seguinte, viram o jogador comodamente sentado no camarote presidencial do Dragão a assistir ao jogo entre o FC Porto e o Manchester City.

Houve uma grande indignação geral vermelha. Sinceramente, não a compreendo. Mas onde é que queriam que o Bruno Alves se tivesse sentado?


O FC Porto ficou a 5 golos de poder vencer a eliminatória da Liga Europa que teve de disputar com o Manchester City. Não foi, portanto, um despique equilibrado por mais que se tente puxar pela grande primeira parte do FC Porto no Dragão e pela grande exibição do FC Porto até ao último quarto de hora em Inglaterra.

Na verdade, o Manchester City controlou os 180 minutos em causa com uma autoridade e um Know-how que lhe advém da qualidade superior dos seus jogadores e da mestria do colectivo. O City de Mancini é, sem dúvida, a equipa mais italiana de Inglaterra ainda que de italiano só tenha o treinador. E chega. Pelo menos, chegou.

No Dragão, o City entregou o jogo ao FC Porto e quando se viu a perder deu a volta ao marcador com uma facilidade imensa. Ontem, encontrou-se a ganhar antes do primeiro minuto do jogo e fechou a loja. Deixou os campeões portugueses trocarem a bola de trás para a frente e vice-versa mas nunca perdeu o controlo da situação. Terminou o City em cinismo, massacrando o adversário com golos quando o tempo se começava a esgotar.

O FC Porto continua sem conseguir ganhar em Inglaterra. Mas o que impressionou mais ontem nem foi isso. Foi ver um FC Porto a jogar contra uma equipa de top da Europa sem ter argumentos para tal. E também a isso já não estávamos habituados."


Leonor Pinhão, in A Bola

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