"Benfica e FC Porto aceleram sem travões pelo mercado e este ainda só vai a meio. A cada contratação, os três grandes vão ficando mais parecidos, mesmo com um Sporting mais cauteloso
No futebol, exceto alguns treinadores de exceção, acredita-se que está quase tudo inventado. E mesmo esses pioneiros incansáveis, ao fim de algum tempo, invertem o ciclo para tentarem encontrar no passado uma forma de evoluir no futuro. Poderá parecer um paradoxo, porém talvez nada melhor o exemplifique do que o reaparecimento do 2x3x5 dos primórdios, aqui há uns três, quatro anos, no Manchester City de Pep Guardiola.
Em termos conceptuais, não se trata de muito mais do que da reinversão da pirâmide — de 2x3x5 para o 5x3x2 e de novo para o 2x3x5 —, ainda que nunca tenha significado o regresso ideológico às origens, apenas foco de inspiração para fazer precisamente diferente. Depois, há muito que se tira de outras modalidades e, claro, de outros técnicos. Um bom treinador está sempre a inspirar-se no trabalho de outros. A copiá-los, com um twist, o seu toque. Acontece muitas vezes, sobretudo quando são ideias que levaram ao sucesso, e tem de ser encarado com naturalidade, mesmo que aqui e ali se vislumbre a patente.
Por cá, o 3x4x2x1 de Ruben Amorim impôs-se num futebol marcado pelo 4x4x2 de Jorge Jesus e de Sérgio Conceição, ao ponto de os rivais terem tentado seguir, sem grande sucesso, pelo mesmo caminho. Roger Schmidt trouxe a seguir o 4x2x3x1 com falsos extremos antes de o sucessor Bruno Lage encaixar mais um médio e assim assentar o seu novo esquema ideal num 4x3x3 assimétrico. Já Vítor Bruno oscilou entre esse mesmo sistema e o 4x4x2 até Martín Anselmi chegar com o 3x4x3. Entretanto, em Alvalade, the Amorim way não chegou para salvar João Pereira, mas foi porto de abrigo para Rui Borges assim que este sentiu, aconselhado pelos próprios jogadores, que o seu 4x2x3x1 não estava a resultar e arriscava deixar fugir o campeonato. Hoje, curiosamente, os três grandes parecem caminhar na mesma direção por diferentes razões.
Há uma teoria a transformar-se em dito popular que garante que o esquema pouco interessa para lá das dinâmicas, no entanto, se tal fosse verdade, ninguém os alteraria. Claro que o 4x2x3x1 da Luz não será igual ao do Dragão ou ao de Alvalade. Desde logo porque os jogadores não são os mesmos e têm valências diferentes, e em cima disso ainda é acrescentado o trabalho diário, que transporta dinâmicas treinadas e as que resultam da química entre os atletas.
Para Rui Borges, o reset entre épocas dá-lhe finalmente o tempo para trabalhar novo modelo e romper com o passado. Não se trata apenas de distribuir os jogadores de outra forma pelo relvado, mas também criar soluções para a perda de Gyokeres, que sempre foi muito mais do que um goleador. Era muitas vezes uma arma quase autossuficiente e até rota de fuga quando a equipa sentia que não conseguia progredir de outra forma. Harder é diferente, tal como o iminente Luis Suárez e dificilmente terão um impacto tão grande.
No caso de Bruno Lage, há duas premissas para o técnico ver com bons olhos o regresso ao sistema que o fez mais feliz, o tal 4x2x3x1 que se transforma em 4x4x2 com um 10 que é ao mesmo tempo segundo avançado: João Félix, claro. A primeira dir-lhe-á que, sem Di María (ou o substituto), pode finalmente defender com 11; e a segunda sugere-lhe que um duplo-pivot mais agressivo, formado por Enzo Barrenechea e Richard Ríos, será suficiente para suportar quatro fantasistas. A ver.
Por último, Francesco Farioli terá também nesse 4x3x3 a caminhar para o 4x2x3x1, sobretudo se os dragões conseguirem resgatar Kenneth Taylor ao Ajax (ou alguém de perfil semelhante), aparente plano A. À exceção de algumas incursões por esquemas com três centrais, sobretudo durante a passagem pelo Alanyaspor, esta tem sido a organização adotada mais frequentemente pelo antigo discípulo de Roberto De Zerbi, aquela que considera ideal para o seu futebol apoiado e progressivo, de construção a partir da baliza. O facto de ter revolucionado o futebol do Ajax, ainda que capitulando no final, ter-lhe-á provado que a ideia pode vingar numa equipa que joga sempre para ganhar como o FC Porto.
Este jogo da imitação, não intencional e fruto das circunstâncias, progride a par de outros, esses sim, estratégicos, sobretudo quando se trata da escolha de jogadores. É mais ou menos óbvio que existe uma ligação do sucesso de Aursnes ao de Hjulmand e agora às apostas em Froholdt e até em Ríos (ainda que não seja nórdico), patrões para o meio-campo, tal como um tanque devastador e goleador como Gyokeres terá incentivado as contratações de Samu, de Pavlidis e até de Franjo Ivanovic. Não há jogadores iguais, porém percebe-se claramente aqui a linha condutora para algumas decisões no mercado de transferências.
Se imitar o que tem sucesso é natural, repetir o mesmo erro já não faz sentido. É por isso que não deixa de ser surpreendente a contratação de João Virgínia pelo Sporting, guarda-redes que chegou a ser internacional sub-21, passou por Alvalade e nas últimas duas épocas somou, ao serviço do Everton, apenas oito jogos, três em 2024/15 e nenhum na Premier League. Resumindo, o Sporting apostou em Franco Israel sem qualquer contexto de primeiro escalão, quando jogava apenas na equipa primavera da Juventus, para ser o suplente de Adán, sofreu com as suas indecisões quando se tornou imperativo que jogasse e até finalmente conseguir estabilizar, e agora troca-o por outro sem rotação.
É certo que Rui Silva encaixou perfeitamente na ideia de estabilidade — alguém com experiência e essencialmente eficaz — e este jogará 90 por cento dos encontros dos leões na nova temporada, mas se Virgínia se tornar o número 2 não deixa de novamente haver alguma displicência na decisão. E nem se pode dizer que é a imagem que ficou para trás a prevalecer, já que em 2021/22, sofreu sete golos nos oito encontros em que participou nas diversas competições pelos verde e brancos, tendo ficado com a baliza a zeros apenas na Liga, na última jornada, diante do Santa Clara. Já na Champions, concedeu quatro num único encontro, em Amesterdão, diante do Ajax.
Já há tanto para dizer e o mercado ainda só vai a meio."

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