Últimas indefectivações

sábado, 24 de agosto de 2024

Felicidade nas margens do Sena


"Bastaram 45 minutos. Uma parte apenas de um jogo de futebol. Surgiu mais leve, mais livre, mais solto e (futebolisticamente falando) mais feliz. Beneficiou da qualidade de quem com ele jogou, é um facto. Beneficiou da inteligência de quem, sem quaisquer problemas e como se jogassem juntos há anos, soube perceber como, quando e onde deveriam promover trocas posicionais, sem que isso fragilizasse a equipa e a deixasse descompensada.
Mas beneficiou imensamente mais por ter um treinador como Luis Enrique, alguém que não teve quaisquer problemas em acrescentar mais inteligência e qualidade à equipa, mesmo que isso tenha implicado lançar um jovem jogador recém-chegado ao plantel. Alguém que não se importou com o peso do tempo, barómetro que tantas vezes utilizamos como fuga ou escapatória para a não utilização daqueles que parecem não precisar dele.
Luis Enrique não só lançou João Neves como deu-lhe palco para ser aquilo que inicialmente todos perspectivámos aquando do seu aparecimento na equipa principal do Benfica, mas que ultimamente parecia impossível: um médio centro completo, cerebral, com raio de acção alargado com bola, com chegada às zonas de decisão e finalização. As duas assistências para golo não foram fruto do acaso e mostram o quão importante foi a liberdade técnico-táctica dada pelo treinador espanhol ao jovem internacional português.
Significará isto, a meu ver, que em pouco tempo Luis Enrique viu em João Neves algo que Roger Schimdt não conseguiu descortinar em vários meses: o tal médio centro completo, total e cerebral (à imagem e semelhança do icónico João Moutinho). E não apenas o bombeiro de serviço, responsável pelas coberturas e compensações defensivas de um ataque anárquico e de uma equipa incapaz de ocupar racionalmente os espaços em organização ofensiva por ausência de ataque posicional (diria até por inexistência de treino/trabalho nesse sentido).
Ao ver os últimos jogos de João Neves ao serviço do Benfica cheguei a temer pela sua descaracterização. Estava cada vez mais vocacionado para ser o «apaga-fogos» da equipa, o homem dos equilíbrios de uma ideia de jogo e um modelo de jogo desequilibrados. As avaliações qualitativas passaram a ser constantes no que à entrega, à disponibilidade física defensiva e ao compromisso diz respeito. A esperada influência ofensiva, outrora idealizada e tão notória aos olhos de quem consegue enxergar o simples, esfumura-se e dera lugar a um médio com tracção à retaguarda. Como se João Neves pudesse ser reduzido apenas a um carregador de piano...
Felizmente, e à primeira vista, as margens do Sena trouxeram outros ares, outras ideias e outros hábitos a João Neves. Bastaram 45 minutos. Uma parte apenas de um jogo de futebol. Surgiu mais leve, mais livre, mais solto e (futebolisticamente falando) mais feliz.

PS - Jogar com Vitinha, por estes dias, é um luxo de valor incalculável. Ao lado do maestro português a bola tem sempre destino e destinatário, e os colegas têm sempre a certeza e a garantia de que a bola chegar-lhes-á redonda. Difícil seria não saber jogar ao lado de alguém que é bússula, farol, polícia sinaleiro, carteiro, arquitecto e engenheiro em simultâneo."

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