"É sempre o mais fácil: explicar o desempenho menos feliz de uma equipa a partir de um jogador ou dois, seja porque jogam ou porque não jogam. Se corre mal então é certinho, foi porque faltou este ou porque jogou aquele. Uma prova: o clássico da Luz correu bem ao Sporting, tivesse corrido mal e alguém duvida de que as ausências de Coates e Palhinha estariam no centro das análises todas, até por serem jogadores unânimes dos leões, junto com Pote? Vislumbro a tese inevitável de que teriam faltado à equipa liderança, dimensão física, altura nas bolas paradas, etc. etc. Faltaram jogadores muito importantes mas não falhou a vitória, porque o essencial entre os leões nunca tem faltado: um coletivo que sabe as funções que deve cumprir e o melhor modo de cada ausência suprir. No final do dia o futebol é sempre um jogo de equipa. Para ela ser competente, e por tendência eficaz, o todo tem de valer mais que a soma das partes.
Ouvi um conhecido comentador elogiar a escolha de Pizzi para o onze do Benfica na Champions explicando – bem – que acrescenta qualidade com bola. A seguir não resistiu à comparação gasta com Taarabt, fácil mas falsamente identificado como expoente máximo da perda de bola. Uma mentira repetida muitas vezes pode mesmo parecer verdade. Muitos quiseram ver operar-se o milagre da racionalidade no futebol encarnado com a simples troca do marroquino por João Mário. A prova está feita. Taarabt tem jogado poucas vezes e, mesmo protegido por uma linha de cinco atrás, o que não acontecia quando o marroquino era titular na época passada, o futebol do Benfica não deixou de apresentar duvidosa consistência defensiva, perdas de bola em número exagerado e escassa capacidade de recuperação a meio campo. Taarabt entrou em Famalicão e a equipa cresceu, em critério com bola (dois passas seguidos que acabaram em golos) e equilíbrio sem ela. A culpa não é, nem foi, de Taarabt, que tanto pode ser parte do problema como da solução. O nó górdio não está nas partes, está, como sempre esteve, no todo.
Vejo o Real Madrid dominar o clássico com o Atlético como tem dominado toda a liga espanhola. O demérito óbvio dos colchoneros e sobretudo do Barcelona este ano não autoriza fechar os olhos à realidade mais óbvia: o Real Madrid é hoje, de longe, a melhor equipa em Espanha e pode bem estar a ressurgir para figurar entre as 3 ou 4 melhores da Europa. Razão fundamental: os fantásticos jogadores que tem. E quando jogadores fantásticos estão felizes é mesmo difícil travá-los. Mas se ter tantos jogadores de talento raro resulta do poderio do clube - já são gerações sucessivas de galácticos - fazê-los felizes em campo é responsabilidade, e mérito, do treinador, no caso Ancelotti. Foi ele que disse ontem mesmo, logo após a vitória no dérbi: “se uma equipa tem jogadores de tanta qualidade, só tenho de colocá-los em campo para ganhar jogos”. O velho italiano nunca foi um mestre da tática mas de relações entre homens num balneário tem pós-doutoramento e a lidar com egos insuflados é catedrático. Acredito que há muito percebeu que a gente que sabe tudo – Modric, Kroos, Benzema – não há muito para ensinar. Não se trata de não treinar ou não apontar caminhos táticos, trata-se mesmo de não amarrar, não querer moldar quem já não vai mudar. Nem é bom que mude. Que mudem os demais, os que crescem em volta deles como crianças sortudas num infantário feliz. Militão parece outro, Alaba como se sempre tivesse vivido ali, Asensio poderá finalmente cumprir o seu destino, Vinícius já se intromete entre os melhores do mundo e Rodrygo é mais um prodígio a bater à porta. Com partes destas, o todo está garantido. É só não estragar."
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