"A final do US Open feminino trouxe um resultado improvável, mas não só.
De um lado, uma “menina” de 20 anos de idade (apenas cinco como jogadora profissional) que dedica, desde sempre, a sua vida a um dia poder ser profissional e defrontar o seu ídolo (Serena Williams) numa final de Grand Slam – o sonho, por sinal, de todas as gerações que emergiram a seguir à consolidação do “reinado” de Serena.
Do outro, por muitos considerada, a “rainha” (o ídolo da primeira) em título (ainda que não no ranking oficial, por ter estado ausente com uma gravidez de risco), com 36 anos de idade e 23 anos de carreira profissional (já o era antes de Osaka nascer), cuja presença evidencia um esforço e entrega para muitos impensáveis, que a recolocam nos grandes palcos do ténis mundial após, meramente, um ano de ter estado entre a vida e a morte.
Como co-protagonistas, em todo este cenário:
1. um juiz árbitro cuja função seria arbitrar uma final aparentemente fácil, de resultado bastante previsível, ainda que, a sua performance tenha que ser actuada num contexto onde a polémica com a arbitragem “estalou” com um colega seu, aparentemente por ser “demasiado brando”;
2. uma gigantesca plateia (milhares de pessoas), quase totalmente devota a Serena Williams (aliás, claramente observado na pouco usual contestação e/ou comemoração manifestas, sempre que a “sua” atleta era visada – pouco próprio num cenário clássico de ténis).
Deixando de lado as questões da arbitragem e até as possíveis questões de género que foram levantadas na discussão desta final (que dariam azo a outro artigo), centremos a atenção na performance das atletas:
Osaka tem, aparentemente, tudo contra ela – todas as variáveis poderiam potenciar um claro bloqueio à sua performance, nomeadamente, a forma pouco “elegante” como uma gigantesca plateia comemorava os seus erros – e, Serena, “em casa”, teria todas as variáveis para “coroar” o seu retorno em grande.
Tal não aconteceu.
Para surpresa de todos (principalmente pela rapidez do jogo), Osaka ganhou o US Open e, pasme-se, no discurso de vitória, ainda pediu desculpa a Serena, evidenciando uma notória ingenuidade de quem está ao lado do seu ídolo e sabe que o “derrubou”.
Mas terá derrubado mesmo?
Osaka, ao longo de dois sets (relativamente curtos) e perante todas as adversidades permaneceu calma e focada – apenas em dois ou três pontos pudemos observar a nipónica a gritar um “tímido” "come on!" numa clara tentativa de manter o drive ganhador quando Serena, por breves instantes, parecia querer reaparecer no jogo.
Contudo, nunca o viria a fazer – ou, por outro lado, fê-lo com um extraordinário fair-play quando “caiu em si” na cerimónia de entrega de prémios e, desviando o assunto da polémica com o arbitro, se focou na sua adversária, pedindo à enorme plateia para comemorar aquele momento com Osaka que, com mérito, havia ganho o seu primeiro Open.
Num cenário completamente avassalador, com uma ruidosa plateia a apoiar a sua adversária (e ídolo!), Osaka evidenciou um enormíssimo controlo emocional, digno de uma maturidade pouco usual em atletas com 20 anos de idade, canalizando a sua energia para a única coisa que, em boa verdade, controlava: as suas acções.
Interacções à parte com o arbitro, que não iremos abordar aqui (sendo que, o próprio treinador já veio a público assumir que o árbitro avaliou bem a situação – ele, de facto, tentou instruir a jogadora durante o jogo, o que é proibido), o que se pode hipotetizar acerca da performance de Serena?
Não muitas coisas, pois o processo de descontrolo emocional galopante a que fomos assistindo tem origem em factores que apenas a própria poderá reconhecer – se, de facto, tiver capacidade para tal.
Quando a performance se torna caótica
Uma coisa é certa, os atletas não são “robots” e irão sempre cometer erros (aliás, a sua principal competência, a este nível, é a rapidez com que integram o erro como aprendizagem e energia para a acção subsequente) e, no caso, Serena já demonstrou na esmagadora maioria das vezes, um enorme poder mental – quase sempre alavancado na emoção da raiva (o que, por vezes, não é a melhor opção, como se veio a constatar).
Possivelmente, estamos perante uma atleta que, de forma não treinada (intencionalmente), aprendeu a estar em competição com elevadíssimos recursos emocionais e cognitivos, contudo, maioritariamente, neste tipo de atletas coloca-se um problema:
se o processo de activação de competências psico-emocionais não é voluntariamente e conscientemente analisado e treinado, então, em situações de adversidade inesperada (a imprevisibilidade potencia sempre fenómenos de ansiedade e desconcentração), se os processos automáticos se “desregulam”... existe uma fortíssima possibilidade de não saber “carregar no botão certo” para voltar ao padrão cognitivo e emocional que ajudará a elevar de novo o desempenho.
E, aqui, a raiva não ajuda - e, não ajuda porque, de forma involuntária (logo não treinada) foi dirigida para o arbitro e não para a tarefa o que fez com que, com o evoluir do relógio (e das interacções) se tornasse cada vez mais refém da mesma (até à desorganização total do seu desempenho), com notório prejuízo da capacidade de sustentação da atenção (vulgo, concentração) e de controlo emocional.
Osaka ganhou de facto, mantendo-se “serena” face ao desmoronar do comportamento da adversária e a todo o ambiente caótico à sua volta, mas teve uma imensa colaboração de Serena cujas decisões, profundamente toldadas pela raiva de uma injustiça que imaginou (e se agigantou dentro), contribuíram dramaticamente para, pelo menos, a precipitação do final do jogo.
A mensagem que o US Open transporta
A componente psico-emocional deve ser alvo de treino sistematizado, voluntário e implementado em contexto de equipa multidisciplinar, por um profissional devidamente qualificado.
O profissionalismo de qualquer atleta (ou treinador, gestor, actor, médico, professor, meu próprio ou de quem está a ler), a qualidade de vida, saúde e bem-estar e a própria performance, serão sempre um pouco “coxas” sempre que a treino de competências psico-emocionais for considerado supérfluo ou secundário – e, invariavelmente, esta “factura” será paga no pior cenário possível: o mais desejado (onde as emoções estarão ao “rubro”).
E, neste torneio, a “factura” foi bem alta: 3.800 000 dólares."
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