"A maior dúvida saída do último Mundial, no que à selecção portuguesa diz respeito, tem a ver com o papel a desempenhar por Bernardo Silva no futuro próximo e com a compatibilidade que esse papel terá com Cristiano Ronaldo. O jogo de quinta-feira, contra a Croácia, no Algarve, por ser um particular de alto prestígio – do outro lado está o finalista vencido do último Mundial – poderia dar algumas pistas acerca do que aí vem e, mais importante, permitir a Fernando Santos avaliar em campo as alternativas. Mas a dificilmente compreensível dispensa de Ronaldo, para este jogo e para o desafio com a Itália, que abre a participação lusa na Liga das Nações, deixará tudo por esclarecer e os adeptos da selecção com a suspeita de que o responsável já sabe bem o que quer fazer.
A dispensa de Ronaldo – que a “Gazzetta dello Sport” antecipou, justificando-a com um pedido do jogador, e que Fernando Santos veio depois explicar aludindo a uma “conversa” com o CR7 e atribuindo a decisão a um plural que não se percebeu se se referia a ele e ao jogador ou a ele e à sua equipa técnica – já provocou uma série de comentários acerca dos privilégios concedidos ao melhor do Mundo na equipa. Pois bem, é disso que quero falar, mas em campo. Enquanto Ronaldo for melhor do que os outros, a equipa deve começar por ele. Isto é: o primeiro privilégio que lhe deve ser concedido é o que o colocar na posição em que melhor serve os interesses da equipa – e essa dificilmente será em Turim, em busca de uma adaptação que faz parte da vida de qualquer futebolista. Quero com isto dizer que acho que, estando apto, como está, Ronaldo devia estar nestes jogos. E que neles Fernando Santos devia aproveitar para perceber – e iniciar os trabalhos de campo nesse sentido – como é que a equipa de Portugal consegue viver com um sistema que extraia o melhor de Ronaldo e de Bernardo Silva.
Boa parte do crescimento competitivo de Portugal nos últimos anos teve a ver com Ronaldo. Primeiro, porque o melhor do Mundo se revê na liderança de Fernando Santos – e isso terá os seus custos em decisões como esta. Depois, porque passou a jogar onde mais lhe convém mas sem prejudicar a equipa. Ronaldo gosta mais de jogar a partir da esquerda, mas isso causava à equipa inúmeros problemas em transição defensiva, porque para ele ser útil tinha de abandonar muito o corredor e aparecer junto à baliza. Uma resposta possível era deslocá-lo para ponta-de-lança, mas aí a equipa perdia a sua influência e ele próprio perdia explosão e capacidade para explorar o espaço atrás da última linha adversária – coisas próprias de quem, ali, tem de passar muito tempo de costas para a baliza. A resposta de Santos foi a entrada de André Silva (e depois de Gonçalo Guedes) para ponta-de-lança, com alteração do sistema para um 4x4x2 que dava a Ronaldo a posição imediatamente atrás, com liberdade para cair nos corredores laterais. E a coisa funcionou, pelo menos até ao Mundial.
No Mundial, porém, fosse porque as características de Guedes são muito diferentes das de André Silva – é um jogador mais próximo do CR7 do que de um ponta-de-lança que o liberte – Ronaldo só esteve à altura no jogo mais difícil, com a Espanha, onde Portugal foi mais equipa de contra-ataque. E a melhor notícia daí até ao final da participação lusa aconteceu na ponta final do jogo com o Uruguai, quando Bernardo Silva deixou a direita – que já ocupava no AS Mónaco e no Manchester City – para ser o maestro e aparecer como o 10 que era na formação. Bernardo é um 10 muito diferente de Ronaldo e com ele ali todo o jogo da equipa muda: menos velocidade, mais criatividade, mais último passe…
Passará por ali o futuro da selecção? Essa é a dúvida. É que neste sistema, neste 4x4x2, o lugar de segundo avançado tem sido de Ronaldo e, sempre que o adversário não for uma equipa de insipientes amadores, o de segundo médio pertencerá necessariamente a um jogador mais forte na marcação, seja ele Adrien, João Moutinho ou qualquer dos novos aspirantes que esta convocatória trouxe à luz da apreciação popular. Neste sistema, para Bernardo ser 10, Ronaldo teria de voltar a ser 9 ou de regressar à esquerda. Funcionará bem qualquer destes cenários? Teremos de esperar pelos próximos jogos para começar a tentar adivinhar. E é pena."
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