"Recordando equipas francesas de visita a Portugal, fica aqui o registo da vinda do Red Star Amical Clube e do seu guarda-redes vedeta que chegou a receber uma oferta de 12 mil francos/mês do Tottenham de Inglaterra.
«Lisboa não sejas francesa
com toda a certeza
não vais ser feliz
Lisboa, que ideia daninha
Vaidosa, alfacinha
Casar com Paris
Lisboa, tens cá namorados
Que dizem, coitados
Com a alma na voz
Lisboa não sejas francesa
Tu és portuguesa
Tu és só para nós»
ASSIM cantava a Amália. Mas, depois de na semana passada ter falado aqui sobre as primeiras visitas de equipas francesas a Lisboa e ao Benfica, esta semana vou carregar na mesma tecla, por mais que custe aos namorados, coitados, que querem Lisboa só para eles.
No dia 24 de Junho de 1913, desembarcava na velhinha capital do Império um clube com tradições em França, o Red Star Amical Clube, antecessor do Red Star, de Paris, fundado a 21 de Fevereiro de 1897, num café parisiense, por Ernst Weber e Jules Rimet, esse mesmo, o que foi o terceiro presidente da FIFA, entre 1921 e 1954, e deu generosamente o seu nome à primeira Taça do Mundo, a Taça Jules Rimet, que agraciou os campeões mundiais desde 1930 no Uruguai a 1970, no México, quando o Brasil, por via das suas três vitórias na competição, levou definitivamente o troféu para casa.
Quem costuma ter a infinita paciência de me ler, já sabe: tudo isto vem hoje a propósito da visita do Paris Saint-Germain ao Estádio da Luz, para este jogo derradeiro da Fase de Grupos da Liga dos Campeões 2013/14. Seja. Prossigamos.
Em 1913, havia o Red Star Amical Club, descendente do tal Red Star Club Français inventado à mesa do café, cuja estrela vermelha do emblema ou foi inspirada na estrela vermelha do Buffalo Bill, figura eminente do Velho Oeste Americano, ou na vontade da madrinha da instituição, uma tal de Miss Jenny, governanta inglesa, que gostou de ver na camisola dos jogadores a imagem da Red Star Line, uma empresa de navegação criada em 1871 pela unificação da International Navigation Company of Philadelphia com a Société Anouyme de Navagation Belgo-Américaine. Seja como for. Aquele que haveria de ser, mais tarde, o Red Star Footall Clube, foi a partir de 1907 o Red Star Amical Club, esse mesmo, o que desembarcou em Lisboa com a aura e a fama de um clube de grande expressão em França e, por isso mesmo, na Europa.
No ano anterior da sua viagem portuguesa, o Red Star pendurava medalhas ao peito vencendo a recém-criada Ligue de Football Association, o equivalente ao título de campeão francês, para atingir em seguida a final do Trophée de France, perdendo para o Étoile des Deux Lacs.
Um parêntesis importantíssimo
ABRA-SE aqui um parêntesis, daqueles que só enriquecem os anais do Futebol: o interesse pela presença dos franceses em Lisboa prendia-se sobretudo com a fama do seu guarda-redes, Pierre Chayriguès. Nascido em Paris em Maio de 1892, Chayriguès é considerado um grande revolucionário na forma de interpretar a função de guarda-redes, à época ainda muito baseada na expectativa. Primeiro no Levallois, com apenas 13 anos, depois no Red Star, o francês encantava multidões com as suas saídas a punhos, com a forma como se atirava aos pés dos adversários e, sobretudo, com os seus extraordinários «plongeons», mergulhos tão espectaculares como arriscados e que lhe valeram uma carreira marcada pelas lesões.
A sua aura era de tal forma grande que se tornou conhecido por toda a Europa e chegou a receber um convite milionário para jogar pelo Tottenham Hotspur pela verba de 12 mil francos/mês nesse preciso ano de 1913 em que se deslocou a Lisboa. Recusou.
No dia 24 de Junho. Chayriguès estava frente a frente com o ataque do Benfica. Era a véspera da partida de oito jogadores 'encarnados' para o Brasil, integrados na deslocação de uma selecção da Associação de Futebol de Lisboa, a primeira ao país-irmão, o que terá retraído alguns deles.
Mas Álvaro Gaspar, por exemplo, não deixou créditos por mãos alheias. Ou pés alheios, neste caso. Chayriguès foi grande. Nada parecia ser capaz de vencer a sua elasticidade, a sua valentia, a sua técnica com as mãos. Por isso, o golo francês foi-se mantendo pelo tempo fora numa ameaça visível e pesada de uma derrota que parecia inevitável. Não foi. A minutos do fim da contenda, Cosme Damião faz o golo do empate do Benfica. A honra estava salva. Mas, Chayriguès, o grande Chayriguès, saía de Lisboa com a sua fama intacta. Já era um estrela antes da chuva de estrelas em que o Futebol se transformou."
Afonso de Melo, in O Benfica
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