"D. Palhaço gostou do apagão. Sente-se bem às escuras. Esfregando as mãos sujas, soltou uma casquinada sinistra e disse para a sua habitual plateia de cretinos que apagões lhe davam gozo. O Lambe-Botas-e-Sapatos-de-Verniz deu um salto de felicidade incontida e gritou a plenos gargomilos: 'Genial D. Palhaço! Genial!' E D. Palhaço babou-se de uma baba bovina... Estes episódios repetem-se a esmo lá para os lados de Medancelhe e das Catrinas. Aceitemos como boa a decrepitude de D. Palhaço: os anos atropelaram-se sem piedade, já sem válvulas novas permitem maior circulação do sangue grosso e impuro. Quando ainda fala, na sua voz sumida e gasta de mentiras. E para ouvir os aplausos do grupelho imbecil que já não o suporta.
Podia muito bem ser um Dinossauro Excelentíssimo, como o de Cardoso Pires, mas nele de excelente nada há, bem pelo contrário. E, assim sendo, não passa de um mamífero que patina à toa nas vascas da agonia. O último filme de Milos Forman antes de deixar a Europa e partir para os Estados Unidos, chamou-se 'O Baile dos Bombeiros'. Nele havia uma cena na qual, tirando proveito de um apagão, certo personagem tratava de roubar os prémios do bingo, e que por acaso valiam pouco mais que um caracol. A cena da reposição dos objectos roubados é extraordinária mas não vem aqui à colação. O facto é que quem gosta de roubar também gosta da escuridão, e de apagões. Tal como no filme, na vida de D. Palhaço quem apaga as luzes é inocente e acaba por ser roubado. Geralmente por ele e pelo seu bando de sicários. Por mim, grave não é o momento em que se apagam as luzes. Grave, grave, é o momento em que se apaga a honestidade..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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