"Se o presidente do FC Porto pudesse controlar a preferência dos sócios benfiquistas teria sugerido o voto em Rui Rangel, por ter sido uma candidatura atabalhoada, tipo sopa instantânea, que é pôr ao lume,mexer e, em meia dúzia de minutos, já está. Saborosa e pronta a comer, embora de ingredientes pouco recomendáveis para a saúde do consumidor. De outra maneira não se daria ao incómodo de, em vez de elogiar a desempenho da sua equipa, que acabara de conquistar com imenso esforço três pontos, na Amoreira promover a tema de capa o resultado eleitoral do clube da Luz e aproveitar-se da distorção que me parece ter sido feita sobre o significado de uma frase de Luís Filipe Vieira para uma demonstração de fair-play à sua moda. Através da ironia que o caracteriza, recordou a final europeia perdida pelos encarnados com o Anderlecht (Taça UEFA, 1983), a última a que terá assistido ao vivo, porque depois dela o Benfica esteve em mais duas, também perdidas, da Taça dos Campeões Europeias, em 1988 (PSV) e em 1990 (Milan). Aliás, em matéria de finais, o Benfica é o único clube português no top ten da UEFA, no nono lugar, com oito, atrás do Liverpool (11), Bayern(10) e Ajax e Inter de Milão, nove cada. Quem ande de boa-fé no mundo do futebol deve aplaudir o desejo do presidente do dragão, na medida em que com mais uma ou duas finais será possível ao emblema da águia reforçar a sua posição entre os dez notáveis da Europa e ao futebol português ampliar o seu prestígio.
Quando se discutem eleições, os vizinhos ou adversários, como aconselha a cortesia, ou nada dizem ou limitam-se a curtas e singelas palavras de circunstâncias, mas o presidente portista optou pela diferença, incapaz de esconder que a reeleição de Vieira foi a pior notícia que lhe podiam ter dado pelo facto de representar a mais perigosa das ameaças ao seu longo e prodigioso reinado. Nada é eterno e PC sabe que, por muitos e influentes que sejam os seus aliados, não lhe será possível retardar o despertar do monstro e com ele a cessação de um período de sucessos que o transformou aos olhos dos adeptos em figura reverenciada, a quem tudo se admite e perdoa, por fazer sempre bem mesmo quando faz mal...
Salvo melhor opinião, Vieira nada prometeu Exigiu. Em dez anos o Benfica renasceu, voltou a ser respeitado e conseguiu apanhar o comboio do futuro. Hoje, é um clube financeiramente estável e dispõe de um complexo de instalações desportivas de muita qualidade. Falta agora atacar a derradeira fase, que corresponde à recuperação da hegemonia futebolística. Cumpridas as duas primeiras etapas, é altura de investir na terceira. Nunca antes Vieira fora tão assertivo em relação a esta área sensível, a dos títulos, por ter sido obrigado a desdobrar-se em várias frentes de combates intensos e arrasadores em nome da consolidação da gigantesca empreitada que o mantém determinado, com o entusiasmo do primeiro dia, e que só ficará concluída quando o Benfica alcançar o patamar que o projectou internacionalmente na década de sessenta. A obra avança, talvez mais demoradamente do que seria expectável, mas com inabalável firmeza, de aí captar-se a indisfarçada preocupação do rival portuense, porque quando mais a águia progride, amis encolhe e espaço de manobra do dragão. Sinónimo de uma mudança de ciclo inevitável e cuja proximidade se pressente.
Ainda sobre a campanha benfiquista, alguém explica as críticas por não se ter realizado nenhum debate para esclarecimento dos associados encarnados? Eleitorado que deposita mais de 80 por cento de votos na urna de um dos candidatos, ainda por cima degastado por cerca de dez anos no poder, sente-se perfeitamente esclarecido. A única coisa que o assustou, e por isso acorreu em massa, foi a candidatura apressada de Rangel e a sua insistência em apresentar-se como um «homem do Direito», espécie de casta superior: ter misturado insinuações e propostas e permitido a colagem de personagens de que a nação benfiquista quer distância..."
Fernando Guerra, in A Bola
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