"Batem leve, levemente, pauladas de circunstância, nas costadas do lente, na circunstância. A Velha Ratazana, já careca e repelente, está contente. Não gosta de meninos de cançonetas, nem hinos. O pau atira-se ao gato: tudo mais é literatura de cordel. Nem mais pulga nem mais pato, nem mais prato nem sapato, que é tudo muito chato. Para o Madaleno só bordel! Tem os olhos deslavados, de quem soma cataratas, por isso recusa as batatas, e vai destilando fel, contra crianças de batas. Grita, resmunga, esperneia: a Velha Ratazana além de nojenta, é feia.
Exige exemplos: ninguém mais dará a mão a meninos. Coisa que já não davam. Comportamentos cretinos de lobos que uivavam ao mero toque dos sinos.
Ri-se o palhaço, feliz de tão imbecil, que proibir as canções é fácil, e matar as lengalengas não tão difícil, desde que haja um ministrozeco macio a precisar de um bilhetilho para um jogo com vício. Em coro, os petizes cantam - «Em cima do piano / estava um copo com licor / de que cor?» - e olham uns para os outros de olhos muito abertos, tanto os mais burros como os mais espertos, porque sabem de seguida a resposta proibida. Se algum responde vermelha, a Velha Ratazana ergue a celha, cospe-se pelo lugar onde lhe falta um dos dentes da frente, dá um guincho para que alguém se apresente, e avança legalmente contra o desgraçado do docente que se lembrou de pergunta tão indecente, tão impudente. Indisciplinado, um indez cantarola. - «Em cima do pianinho / está um anãozinho / De que cor está vestidinho?» - e olha por cima do ombro para a Velha Ratazana que cheira a cebola e esfrega o pescoço sujo na gola da camisola. E com um sorriso atrevido responde - «azulinho» - enquanto o Madaleno, de esgar estúpido, larga um grunhido, um latido, arrependido por não o ter agredido tal qual sentia ele houvera merecido. Para este rato cobardola, não se brinca com a escola..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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