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quinta-feira, 13 de julho de 2023

Sísifo no Desporto Português – III. O eufemismo dos melhores resultados de sempre



"O Programa de Preparação Olímpica está a despender recursos que fazem falta ao desporto de base que deve alimentar o alto rendimento.

Depois das três medalhas nos Jogos Olímpicos (JO) de Atenas (2004), de duas medalhas nos JO de Pequim (2008), de uma medalha de prata nos JO de Londres (2012), de uma medalha de bronze nos JO do Rio (2016) e de três medalhas nos JO de Tóquio (2021) o que, mais uma vez, se esperava da inteligência desportiva nacional era uma avaliação ampla, profunda e independente do Programa de Preparação Olímpica (PPO) no quadro do desenvolvimento do desporto português. Todavia, a dita inteligência, depois de cada Ciclo Olímpico (CO), limitou-se a atirar com mais burocracia e dinheiro para cima dos problemas na esperança de esquecer o passado e imprimir a máxima velocidade à organização do futuro. Ora, como refere Kundera, quando as coisas acontecem depressa demais ninguém pode ter a certeza de nada nem de coisa nenhuma. Porque, se a lentidão é diretamente proporcional à memória, a velocidade é diretamente proporcional ao esquecimento. Por isso, quando Constantino o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), ainda sob os efeitos do “jet lag”, disse que nos JO de Tóquio (2021), foram obtidos os “melhores resultados de sempre” (Tribuna Expresso, 2021-08-08) ficamos na dúvida se ele se esqueceu do passado porque vai muito depressa ou vai muito depressa para se esquecer do passado.
Um dos maiores dramas do desporto nacional, que se reflete em todos os desportos de A a Z passando pelo F de futebol, é a incapacidade congénita de as suas lideranças refletirem sobre o passado, avaliarem o presente e prospetivarem o futuro. Consequentemente, a solução para todo e qualquer problema tem sido atirar-lhe cada vez com mais burocracia e mais dinheiro para cima na esperança da sua resolução por obra e graça dos deuses do Olimpo. E, assim, desde finais dos anos noventa, para além da prática desportiva de base, numa estuporada visão elitista das políticas públicas, ter diminuído, pelo menos, um ponto percentual, a participação de Portugal nos JO, numa opção quantitativa, demagógica e popularucha, nunca passou da miséria e vil incompetência dos últimos lugares do ranking dos países.
O desporto nacional está a ser consumido pela velocidade dos acontecimentos e de tal maneira que, hoje, já ninguém quer saber para onde o estão a conduzir uma vez que todos querem chegar o mais depressa possível nem que seja a lado nenhum, como são “os melhores resultados de sempre”. E a metáfora passou a fazer parte da novilíngua desportiva num país que tem as mais baixas taxas de prática desportiva da União Europeia (UE) pelo que os seus dirigentes, perante a abolia das estruturas político-administrativas, dedicam-se ao negócio de importação de atletas de África, da América Latina ou do Oriente a fim de, sem qualquer pudor, suprirem as necessidades das equipas desportivas que representam Portugal nos eventos desportivos internacionais.
O CO de Tóquio (2020) decorreu sob o mantra da continuidade de um processo que tem vindo sistematicamente a falhar. E, mais uma vez, foram selecionados 92 atletas a fim de competirem em 17 desportos. A Missão Olímpica, foi chefiada não por um dirigente desportivo, mas por um funcionário do COP. Tal facto, contra a tradição que vinha dos JO de Estocolmo (1912), se, por um lado, significou, para quem o quis entender, um atestado de incapacidade à generalidade dos dirigentes desportivos, por outro lado, perdeu-se uma avaliação independente, eventualmente a única, assinada por um dirigente desportivo, como foram os casos de Mário Santos relativamente aos JO de Londres (2012) e de José Garcia relativamente aos JO do Rio (2016).
Em Tóquio conquistaram-se três medalhas: Patrícia Mamona, Prata/Triplo salto; Fernando Pimenta, Bronze/Canoagem; e Jorge Fonseca, Bronze/Judo. Não se considera a medalha do português Pablo Pichardo na medida em que se trata de um produto do desporto cubano. Ana Oliveira, funcionária superior do SL Benfica (A Bola, 2021-08-14), explicou: “Quando metemos os papéis, o Pedro tinha o direito de asilo político, como qualquer pessoa nas circunstâncias dele. Mas atendendo ao valor desportivo dele e ao interesse nacional que o COP invocou na carta que o José Manuel Constantino nos deu, não foi necessário ir por aí, pelo asilo…”. Portanto a naturalização de Pichardo foi por motivos desportivos. E porquê?
Porque, certamente, a naturalização através de um pedido de asilo político demoraria mais tempo e seria difícil de provar uma vez que, segundo a comunicação social, a decisão de Pichardo nada teve de político, fincando-se somente a dever a um conflito de ordem técnico-organizacional com a Federação Cubana de Atletismo. Mas, para o Presidente do COP, a situação era dramática. Depois do “flop” do Rio (2016), perante o insucesso previsível em Tóquio (2020), a naturalização de Pichardo (e de outros atletas estrangeiros) surgia como uma dádiva dos deuses do Olimpo. E Pichardo era especial, uma vez que chegava a Portugal praticamente já com a medalha olímpica ao peito. Obteve a nacionalidade portuguesa em dezembro de 2017, no entanto, a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) só lhe reconheceu a nacionalidade portuguesa a 1 de agosto de 2019, quer dizer, a um ano da data programada para o início dos JO de Tóquio (2020).
As judocas Bárbara Timo e Rochele Nunes, duas atletas brasileiras de alto nível, também conseguiram a nacionalidade portuguesa em cima da hora (GloboEsporte.com 14/01/2019). Ambas conquistaram um 9º lugar em Tóquio, contribuindo para aumentar o número de atletas classificados até ao 16º lugar. Outra atleta que veio ajudar a mitigar a posição do Presidente do COP foi Auriol Dongmo (Atletismo/peso). Nascida nos Camarões em 1990, quando chegou a Portugal já trazia um currículo desportivo de significativo valor uma vez que, entre outros eventos, já tinha representado os Camarões no Campeonato Mundial de Atletismo (2015) e nos JO do Rio (2016). Auriol obteve a nacionalidade portuguesa em outubro de 2019, que lhe foi reconhecida pela IAAF a 26 de julho de 2020, isto é, em vésperas da data prevista para o JO de Tóquio (2020). Por isso, os cinco pontos e o respetivo diploma que a atleta conquistou em Tóquio (2021), em boa verdade, pertencem aos Camarões. Hoje, não restam dúvidas de que Pichardo, Auriol, Bárbara e Rochele são portugueses. Por isso, não se trata de saber se os atletas nasceram em Portugal ou se, sendo refugiados ou imigrantes, são, por cá, bem recebidos. Trata-se de saber se as naturalizações não passam de um expediente para superar políticas públicas medíocres e dirigentes fracassados. Porque, quando a formação desportiva é realizada em Portugal como aconteceu, por exemplo, com Francis Obikwelu ou Nelson Évora até é um orgulho para o desporto português. Pelo contrário, nos JO de Tóquio (2021) obtiveram-se resultados de significativo valor que não faziam parte do desporto português.
Quando Henrique Monteiro (Expresso, 2021-08-13) escreveu “o homem embrulha-se na bandeira nacional, canta ‘A Portuguesa’, ganha ouro nas Olimpíadas em nome de Portugal, tem cá a família, é do clube de seis milhões (diz o Benfica) de portugueses e ainda há quem não o considere português” limita-se a virar o problema do avesso. Parafraseando Saramago quando disse qualquer coisa como o prémio é de todos, mas o dinheiro é meu, é necessário que também se diga que Pichardo, Auriol, Bárbara e Rochele são portugueses, mas os resultados que conseguiram nos JO de Tóquio (2021) pertencem ao desporto dos seus países de origem.
Entretanto, o Presidente do COP, numa conferência de imprensa de balanço dos Jogos de Tóquio (2021), em causa própria, permitiu-se afirmar: “Todas as metas foram superadas. (…) É um facto que os resultados alcançados são os melhores de uma representação nacional” (Público, 2021-08-08). E os portugueses, através da comunicação social que embandeirou em arco, foram sujeitos a uma “lavagem cerebral” a fim de serem convencidos de que se tinham conseguido “os melhores resultados de sempre” nuns JO. Todavia, em termos absolutos e sem demais explicações, afirmar que em Tóquio (2021) foram conseguidos os melhores resultados de sempre só serve para “entreter a burguesia”.
Se em termos comparativos olharmos para os resultados dos JO de Tóquio (2021), se do ponto de vista nacional ficaram longe de terem sido os melhores de sempre, do ponto de vista internacional ficaram bem atrás de países com condições sociais, económicas e desportivas bem piores do que as portuguesas.

1 – Numa relação entre o número de desportos e o de medalhas a melhor performance aconteceu em Montreal (1976) onde foi conseguida um rácio de três desportos por medalha. Em Tóquio, o rácio foi de 5,6 desportos por medalha:
- Montreal (1976): 6 desportos / 2 medalhas = 3 desportos por medalha;
- Los Angeles (1984): 11 desportos / 3 medalhas = 3,6 desportos por medalha;
- Atenas (2004): 15 desportos / 3 medalhas = 5 desportos por medalha;
- Pequim (2008): 16 desportos / 2 medalhas = 8 desportos por medalha;
- Tóquio (2021): 17 desportos / 3 medalhas = 5,6 desportos por medalha.
Não foi por se aumentar o número de desportos de 6 para 17 que se conseguiu um correspondente aumento de medalhas. Aumentar o número de desportos, sem uma justificação estratégica bem firme no quadro do desenvolvimento do desporto nacional, para além de ser um desperdício de recursos, como acontece com as participações portuguesas nos JO de Inverno ou, agora, nos Jogos Europeus (2023), significa uma absurda decisão em matéria de políticas públicas para o desporto. A pior relação entre o número de desportos por medalha aconteceu nos JO do Rio (2016) e nos JO de Tóquio (2021). Portugal leva aos JO equipas, pelo menos, três vezes maiores do que aquelas que devia levar.

2 – Quanto ao número de atletas por medalha o rácio de cada edição dos JO no período que decorre de 1976 a 2021 sofreu um aumento de 9,5 atletas por medalha para 26 atletas por medalha. Especificando temos:
- Montreal (1976): 19 atletas, 2 medalhas (0,2,0): 9,5 atletas por medalha;
- Los Angeles (1984): 39 atletas, 3 medalhas (1,0,2): 12,6 atletas por medalha;
- Atenas (2004): 81 atletas, 3 medalhas (0,2,1): 27 atletas por medalha;
- Pequim (2008): 77 atletas, 2 medalhas (1,1,0): 38,5 atletas por medalha.
Note-se que o quarto lugar no desporto da vela de Gustavo Lima (laser) em Pequim (2008) é idêntico ao 3º lugar de Jorge Fonseca no Judo em Tóquio. Sem menosprezo para com os atletas uma medalha de bronze no judo, contrariamente à generalidade dos desportos, pode significar um quarto lugar na medida em que no judo se apuram dois terceiros lugares não havendo, por isso, em termos formais, um quarto lugar. Nestas circunstâncias, Pequim (2008) supera Tóquio (2021) devido à medalha de ouro de Nelson Évora. Acresce que o rácio de Pequim (2008) passa a ser de 25,6 atletas por medalha;
- Tóquio (2021): 92 atletas 3 medalhas: (0,1,2): 30,6 atletas por medalha.
Portanto, Tóquio não supera Montreal (1976), Los Angeles (1984), Atenas (2004) e, nas circunstâncias descritas, Pequim (2008). Não vale a pena formar grandes equipas nacionais na esperança de ganhar mais medalhas. Ganhar uma medalha nos JO com uma equipa olímpica de mais de noventa atletas e outros tantos técnicos, administrativos e dirigentes, para além de incompetência revela falta de pudor. Desde logo porque a máxima olímpica é Mais Rápido, Mais Alto, Mais Forte, não é mais lento, mais baixo, mais fraco. E, por isso, insistimos, Portugal leva aos JO equipas, pelo menos, três vezes maiores do que aquelas que devia levar.

3 – O número de atletas classificados até à 8ª posição (do 1º ao 8º) e até à 16ª (do 1º ao 16º) de Sydney (2000) a Tóquio (2020) foi a seguinte:
- Sydney (2000): 61 atletas, 8 (13%) até ao 8º lugar e 21 (34,4%) até ao 16º;
- Atenas (2004): 81 atletas, 10 (12%) até ao 8º lugar e 14 (17%) até ao 16º;
- Pequim (2008): 77 atletas, 6 (8%) até ao 8º lugar e 9 (12%) até ao 16º;
- Londres (2012): 77 atletas, 9 (12%) até ao 8º lugar e 20 (26%) até ao 16º;
- Rio (2016): 92 atletas, 9 (10%) até ao 8ª lugar e 18 (20%) até ao 16º;
- Tóquio (2020): 92 atletas, 13 (14%) até ao 8º lugar e 31(32,6%) até ao 16º.
Pelas razões já esclarecidas, relativamente a Tóquio (2021), até ao oitavo lugar foram expurgados os resultados de Pablo Pichardo (atletismo) e Auriol Dongmo (atletismo). E até ao 16º lugar foram expurgados os resultados de Pablo Pichardo (atletismo), Auriol Dongmo (atletismo), Bárbara Timo (judo), Rochele Nunes (judo), Luciana Diniz (equestre) e Antoine Launay (Canoagem). Nesta conformidade, o número de atletas classificados até à 8ª posição em Tóquio (2021) é um ponto percentual superior ao de Sydney (2000). Mas, até ao 16º lugar, enquanto Sydney (2000) consegue colocar 34,4% dos atletas, Tóquio (2021) fica nos 32,6%. Acresce que, o surpreendente e extraordinário 5º lugar de Yolanda Hopkins Sequeira (surf), nada tem a ver com o PPO ou com o processo de desenvolvimento do desporto nacional, antes pelo contrário. Fica-se, sobretudo, a dever às especificidades do desporto do surf, às virtualidades da atleta, ao empenho da federação, à competência do treinador e ao envolvimento da família. Nestas circunstâncias, é possível especular que os resultados até ao oitavo lugar Tóquio (2021) não superaram os de Sydney (2000). Quanto ao futuro, sem grandes expectativas, veremos quais as eventuais repercussões que o resultado da Yolanda terá no surf nacional. Relativamente ao número de atletas classificados até à 16ª posição, Tóquio (2021) também não consegue superar o resultado de Sydney (2000), mesmo com mais 31 atletas e mais do dobro do dinheiro.

4 – Relativamente ao somatório dos pontos dos atletas classificados até ao 8º lugar os 44 pontos de Tóquio (2021) com 92 atletas não superam os 44 pontos de Atenas (2004) conseguidos com 61 atletas.
- Atenas (2004): 44 pontos para 81 atletas: 0,5 pontos por atleta;
- Pequim (2008): 28 pontos para 77 atletas: 0,3 pontos por atleta;
- Londres (2012): 28 pontos para 77 atletas: 0,3 pontos por atleta;
- Rio (2016): 40 pontos para 92 atletas: 0,4 pontos por atleta;
- Tóquio (2021): 44 pontos para 92 atletas: 0,4 pontos por atleta.
Não vale a pena, no “espírito do lá vamos cantando e rindo”, continuar-se a apostar na quantidade das equipas nacionais em prejuízo da sua qualidade. Porque, para além de se estarem a proporcionar férias desportivas à conta dos contribuintes, o dinheiro disponível do OE para o desporto acaba por não chegar a quem mais necessita. Com políticas concertadas com os vários sectores económicos e sociais que alarguem a base de prática e de recrutamento, para além de se cumprir um princípio de justiça social num país que tem 4 milhões de cidadãos em risco de pobreza, conseguiam-se muito melhores atletas e muito melhores resultados. Por isso, voltamos a insistir, Portugal leva aos JO equipas, pelo menos, três vezes maiores do que aquelas que devia levar.

5 – O custo das medalhas de cada uma das edições dos JO foi o seguinte:
- Sydney (2000): 8,9 M€ para 2 medalhas = 4,45 M€ por medalha;
- Atenas (2004): 10,9 M€ para 3 medalhas = 3,6 M€ por medalha;
- Pequim (2008): 14 M€ para 2 medalhas = 8 M€ por medalha;
- Londres (2012): 15,1 M€ para 1 medalha = 15,1 M€ por medalha;
- Rio (2016): 16 M€ para 1 medalha = 16 M€ por medalha;
- Tóquio (2020): 18,5 M€ para 3 medalhas = 6,1 M€ por medalha.
Num período praticamente sem inflação as três medalhas conseguidas nos JO de Tóquio (2021) custaram quase o dobro das três medalhas dos JO de Atenas (2004). O PPO está a despender recursos que fazem falta ao desporto de base que deve alimentar o alto rendimento de onde se conclui que Portugal, na demagogia do “lá vamos cantando e rindo”, leva aos JO equipas, pelo menos, três vezes maiores do que aquelas que devia levar.

6 – Se a comparação entre as últimas seis edições dos JO deixa os responsáveis numa situação bem desconfortável, se observarmos a posição de Portugal no quadro dos países da UE percebe-se, ainda melhor, a mediocridade do PPO que, pelos recursos que consome, a burocracia que produz e os fracos resultados que alcança, acaba por prejudicar o natural desenvolvimento do desporto nacional.

7 – Se considerarmos a relação número de atletas por medalhas numa comparação entre vários países da UE a situação é a seguinte:
- Áustria: 75 atletas para 7 medalhas – 10,71 atletas por medalha;
- Bélgica: 121 atletas para 7 medalhas – 17,2 atletas por medalha;
- Bulgária: 42 atletas para 6 medalhas – 7 atletas por medalha;
- Chéquia: 115 atletas para 13 medalhas – 10,5 atletas por medalha;
- Dinamarca: 108 atletas para 11 medalhas – 9,81 atletas por medalha;
- Eslovénia: 51 atletas para 5 medalhas – 10,6 atletas por medalha;
- Finlândia: 30 atletas para 2 medalhas – 15 atletas por medalha;
- Grécia: 83 atletas para 4 medalhas – 20,75 atletas por medalha;
- Hungria: 166 atletas para 20 medalhas – 8,3 atletas por medalha;
- Países Baixos: 278 atletas para 36 medalhas – 7,72 atletas por medalha;
- Portugal: 92 atletas para 3 medalhas – 31 atletas por medalha;
- Roménia: 101 atletas para 4 medalhas – 25,25 atletas por medalha;
- Suécia: 134 atletas para 9 medalhas – 14,88 atletas por medalha.
A situação portuguesa com 31 atletas por medalha é, simplesmente, absurda se comparada, por exemplo, com a da Hungria com 7,72 atletas por medalha ou da Bulgária 7 atletas por medalha. Acresce que, enquanto a Hungria, em Tóquio (2021), fez 235 pontos até ao oitavo (1,39 pontos por atleta), Portugal, que leva aos JO equipas, pelo menos, três vezes maiores do que aquelas que devia levar, fez 40 pontos até à 8ª posição o que significa 0,43 pontos por atleta.

8 – Quando os dirigentes políticos e desportivos dizem pretender melhorar ou aumentar o nível desportivo do país, uma vez que este conceito parte de uma relação eurítmica entre a prática desportiva de base e o alto rendimento, torna-se necessário apurar a prática de base do desporto nacional. Segundo o Eurobarometer (2022) a situação portuguesa é, simplesmente, catastrófica: (1º) 73% dos portugueses com mais de quinze anos de idade diz não praticar qualquer atividade física ou desportiva. Trata-se de um aumento de 9 pontos percentuais relativamente aos dados do Eurobarometer (2014). É o pior resultado entre os vinte e sete países da UE; (2º) Só 22% dos portugueses dizem ter uma prática de atividade física e desportiva “regular” ou “com alguma regularidade” o que representa uma quebra percentual de 4 pontos relativamente aos dados do Eurobarometer (2018) e 11 pontos relativamente ao Eurobarometer (2010).

9 – Portugal, a Roménia e a Polónia foram os únicos países que, de 2010 a 2022, involuíram no que diz respeito à prática de atividade física e desportiva:
- Bulgária evoluiu de 13% para 21%;
- Chéquia evoluiu de 28% para 44%;
- Eslováquia evoluiu de 30% para 35%;
- Grécia evoluiu de 18% para 25%;
- Hungria evoluiu de 23% para 26%;
- Itália evoluiu de 29% para 34%;
- Letónia evoluiu de 27% para 39%;
- Polónia involuiu de 25% para 23%;
- Portugal involuiu de 33% para 22%;
- Roménia involuiu de 21% para 20%.
Se, de Sydney (2000) a Tóquio (2021), a afetação de recursos públicos para o PPO aumentou mais do dobro, em contrapartida, o número de medalhas em cada edição dos JO nunca ultrapassou as de Los Angeles (1984) ou de Atenas (2004). E como os recursos do Orçamento de Estado para o desporto eram, são e serão sempre limitados, a prática desportiva de base, nos últimos dez anos, decaiu 11 pontos percentuais, estando, atualmente, ao nível dos anos noventa. Quer dizer, o PPO, devido à obsessão por medalhas olímpicas não sustentadas numa prática desportiva de base estabilizada, pelo menos, acima dos 35% da população, desencadeou um círculo vicioso: como, por um lado, se despendem, inutilmente, num PPO recursos escassos, por outro lado, faltam recursos à prática desportiva de base através do apoio aos pequenos e médios clubes enquanto entidades que sustentam o desporto nacional. Em consequência, à falta de prática desportiva de base, as nomenclaturas começaram a recorrer à contratação e naturalização de atletas estrangeiros a fim de integrarem as seleções nacionais.

Entretanto, sem que se conheça uma qualquer avaliação competente e independente, o pedregulho que é o PPO já está a rolar montanha acima em direção aos JO de Paris (2024). Teve um ponto alto no passado mês de outubro (2022) quando, numa cerimónia pública realizada no Estádio Nacional, num dos habituais rituais de iniciação ao culto de uma certa masculinidade tóxica a que a tutela é regularmente sujeita, para além dos habituais discursos cor-de-rosa, foram anunciados os objetivos e os recursos a disponibilizar pelo Estado para o PPO (Paris 2024). E Ana Catarina Mendes, a Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares do XXIII Governo que também tutela o desporto, tal qual “Alice no País das Maravilhas”, ignorando os olímpicos desaires do passado e uma das mais medíocres taxas de prática desportiva entre os países da UE, informou que o Governo, sob a Síndrome do Concorde, digo eu, procedeu a um reforço financeiro da preparação olímpica de quase 9% relativamente à verba do Ciclo Olímpico anterior. E ficámos a saber que, numa linha de medíocre continuidade, o PPO para Paris (2024), a um custo de 22 M€, aponta para os seguintes objetivos: levar à volta de 90 atletas aos JO para competirem em 17 ou 18 desportos e em mais de 60 eventos a fim de se ganharem 4 medalhas, 15 classificações até ao 8º lugar e 36 resultados entre os 16 primeiros. E um órgão de comunicação social, completamente a leste da realidade, informava em grandes parangonas “Portugal ambicioso aponta ao mínimo de quatro medalhas Olímpicas” (DN, 2023-10-14).
Na lógica do “lá vamos cantando e rindo”, para além do número de presenças e de modalidades determinadas sem qualquer intenção estratégica de longo prazo, ao estilo do “seja o que os deuses quiserem”, o número de quatro medalhas revela o mais completo fracasso do PPO que, em 2005, previu para os JO de Pequim (2008) a conquista de cinco medalhas. Acresce que, determinar objetivos sem que se especifiquem os desportos, respetivos eventos, bem como os atletas potencialmente candidatos, para além de ser um exercício de inutilidade, trata-se de uma vitória do populismo da propaganda balofa sobre a racionalidade do planeamento a que deve obedecer uma política desportiva com um forte sentido social e económico.
O que, em matéria de desenvolvimento do desporto nacional, está a acontecer entra no domínio de uma autêntica tragicomédia grega. O Programa do XXIII Governo (PS) (2022-03-30 a…) na decorrência do XXII Governo (PS) (2019-10-26 a 2022-03-30) estabeleceu para o desporto nacional dois grandes objetivos estratégicos: (1º) afirmar Portugal no contexto desportivo internacional, melhorando os Programas de Preparação Olímpica e Paralímpica, com base na sua avaliação; (2º) colocar o país no lote das quinze nações europeias com cidadãos fisicamente mais ativos, na próxima década.
Tendo em atenção os referidos objetivos, perante os mais do que medíocres dados apresentados pelo Eurobarometer (2022) que, entre os países da UE coloca Portugal no último lugar destacado do ranking de negação da prática desportiva, o presidente do COP, como se não tivesse nada a ver com o assunto, apressou-se a dizer: “passado praticamente um terço do tempo previsto, os resultados são os que se acabam de conhecer: a situação não apenas não melhorou, como piorou”. E perguntou: como recuperar o que já se perdeu e atingir o objectivo proposto? (Público, 2022-09-26).
Constantino não é, certamente, a pessoa mais indicada para, como se nada tivesse a ver com o assunto, desenvolver tal discurso, porque: (1º) desde o ano 2000, ocupou cerca de quinze anos posições de chefia em várias organizações da superestrutura, tanto associativa quanto político-administrativa do desporto nacional; (2º) chefia o COP há mais de dez anos; (3º) quando, em janeiro de 2013, anunciou que ia concorrer à presidência do COP, entre outros objetivos, afirmou pretender “ajudar a elevar o nível desportivo do país” (Público, 2013-01-04). Posteriormente, a 8 de fevereiro de 2013, na apresentação da sua candidatura, o 3º eixo dos seis do seu programa de ação era, precisamente, a “elevação do nível desportivo do país”.
De acordo com os trabalhos desenvolvidos no âmbito do Conselho da Europa, o conceito de nível desportivo, questão que desenvolveremos num dos próximos textos, trata-se de um indicador de ordem qualitativa que, a partir da relação eurítmica entre os praticantes de base e os de elite, numa escala percentual, determina a distância da situação desportiva real de um país ou uma região à respetiva situação desportiva ideal.
Ora, o que se verificou foi: (1º) a contínua derrapagem do programa do PPO que, assinado por Constantino e Vicente Moura em janeiro de 2005 (DR IIª S, nº70, 2005-04-11), em seis edições dos JO não conseguiu ultrapassar as três medalhas dos JO de Los Angeles 1984; (2º) de 2010 a 2022 deu-se uma quebra de 11 pontos percentuais no número de praticantes de base. Por isso, Constantino, para além dos membros do Governo que, regra geral, aterram no desporto de para-quedas, não pode pretender pôr-se fora da equação, desde logo porque é um dos mais ilustres responsáveis pela situação atual do desporto nacional.
E, vinte anos depois, podemos dizer que foram premonitórias as palavras do Ministro José Lello quando, em 2001, avisou os dirigentes desportivos, entre outros o próprio Constantino, que era Presidente da Confederação do Desporto de Portugal, que o país caminhava para ter cada vez mais “desportistas de bancada e de sofá” (A Bola, 2001-06-23). Em consequência, o nível desportivo nacional, por mais dinheiro que durantes os últimos anos tenham “torrado” numa preparação olímpica a funcionar em circuito fechado, piorou ao ponto de apresentar um dos piores valores entre os países da UE. E mesmo que o ridículo número de 4 medalhas programadas para os JO de Paris (2024) seja atingido ou até aumentado para cinco, seis, sete ou mais, no estado do panorama desportivo atual Portugal não deixará de estar ao nível de países como, entre outros, a Coreia do Norte, a Bulgária, a Bielorrússia ou o Azerbaijão, que ganham medalhas olímpicas sem terem uma prática desportiva de base correspondente e própria dos países desenvolvidos.
O ciclo dos JO de Paris (2024) já está perdido pelo que o que se recomenda a este ou outro qualquer governo é que ultrapasse a Síndrome do Concorde e mande fazer uma avaliação independente, em extensão e profundidade, do ensino ao alto rendimento e ao profissionalismo a fim de, com a brevidade possível, estar na posse de um documento que sugira a(s) solução (ões) alternativa (s) a fim de ultrapassar o estado de indigência em que o desporto nacional se encontra. Caso contrário, o Ciclo dos JO de Los Angeles (2028), entre o miserabilismo de três ou quatro medalhas e a mediocridade de uma prática desportiva de base abaixo do 20%, também acabará por se perder."

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