"De uma forma geral, chama-se genericamente “artes marciais” a um conjunto de práticas físicas com origem asiática, orientadas para situações de combate desarmado ou com armas tradicionais, às quais se associam habitualmente um conjunto de valores espirituais e morais, “uma filosofia”, ou uma “via de realização”. Etimologicamente, a palavra “marcial” não é uma designação Oriental, mas sim Ocidental. Vem do latim “martialis” (de Marte, deus da guerra na mitologia romana), e significa “relativo a militares ou guerreiros”, “corajoso”, “bélico”, traduzindo mais ou menos as noções de “Bujutsu” (Japão) ou “Wushu” (China).
Várias disciplinas japonesas (judo, jiu-jitsu, karaté, aikido, kendo, aido), coreanas (taekwondo), chinesas (tai-chi-chuan) ou vietnamitas (viet-vo-dao) desenvolveram-se em diversos estilos, formas e práticas. Categorias de escolas e praticantes concorrentes coexistem no seu seio. Na realidade, apenas algumas destas disciplinas foram desenvolvidas e usadas pelas castas guerreiras das distintas civilizações orientais, que as criaram, merecendo o epíteto de artes de guerra ou de combate.
A difusão mundial iniciou-se a partir do momento em que chegaram ao Ocidente. Este processo arrancou com as tropas americanas estacionadas no Japão. Ao dar-se a ocupação do Aliados, entre 1945 e 1952, um dos primeiros cuidados dos invasores foi proibir e encerrar as escolas de artes marciais, que tinham sido responsáveis pelo treino e doutrinação da juventude nipónica. Após a derrota deste país na Segunda Guerra Mundial, voltavam para casa a ensinar karaté, judo, aikido, etc., que prometiam a possibilidade de o fraco vencer o forte.
As artes marciais constituem um imenso e heterogéneo domínio de investigação. Infelizmente, elas são muitas vezes uma fonte de mistificação e menos objecto de estudo científico (Rosa, 2007, 2008; Rosa, García & Gutièrrez, 2010). É preciso dizê-lo também que as artes marciais se prestam a uma ou a outra situação, na medida em que a sua identidade é muitas vezes associada a lendas, a pensamento mágico, a rituais misteriosos, a discursos épicos, etc. A sociedade moderna, asiática ou europeia, não as trata melhor. Recorrendo à terminologia de culinária, as artes marciais são uma mistura de todos os molhos. Sem esgotar, podem ser vistas de diferentes formas:
· Elas podem ser desporto de competição, excitando a rivalidade entre os seres, utilizando a violência com o objectivo de vencer o outro nas suas encenações, evocando, por vezes, uma actuação de circo.
· Elas são utilizadas para veicular uma filosofia popular pós-moderna, resumindo-se a uma só expressão passada na linguagem corrente “ser Zen”, avatar sincrética das viagens ao oriente e a influência do budismo no ocidente.
· Elas podem ser consideradas como simples lazer.
· Elas podem ser consideradas como espectáculo de palco, fonte dos belos dias do cinema e dos jogos de vídeo.
· Elas se comprometem, por vezes, com as correntes de pensamento fanático, podendo mostrar um culturocentrismo derrotante para o neófito.
Recorrendo a uma expressão de Boltanski (1971), as artes marciais prestam-se a diferentes “usos sociais”. E falar de uma pluralidade de “usos sociais” ou “cultura somática de classe” para as actividades físicas e desportivas sugere que os objectivos e as justificações variam segundo os contextos, os actores em presença e os motivos/compromissos do momento.
As artes marciais são, para utilizamos uma expressão de Pociello (1981), um “produto de mercado” (económico, cultural e social). Como tal, sujeito à oferta e à procura, que haverá que publicitar e “vender”. O mestre passa a ser um prestador de serviços e o discípulo um consumidor (“cliente”)."
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