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terça-feira, 2 de abril de 2019

O que Alexandru, que foi Elek, jamais esqueceu...

"Schwartz foi treinar o Eintracht Frankfurt depois de ter saído do Benfica. Impôs no clube alemão um revolucionário 4-2-4 e regressou a Portugal para o FC Porto. A sua estrela apagou-se aí como uma lâmpada mal enroscada que se funde.

Timisoara: O nome vem do rio: Timis. Fica na região do Banato, actualmente dividida em três partes, uma na Roménia, uma na Sérvia e outra na Hungria. A primeira vez que lá estive fui preso. Já se passou tanto tempo: 1981? 1982? Uma confusão de vistos. A Roménia fechada do Ceausescu, o policiamento exagerado, alfândegas e o diabo. Eles não gostavam de rapazes cabeludos de mochilas às costas. Bulia-lhes com os nervos. Eu e o meu companheiro de viagem, intrépido benfiquista, Miguel Vieira da Silva, metidos num sarilho. Dois ou três dias fechados num posto de policia mal-amanhado e sujo, água e pedaços de pão e reenviados sob vigilância, de comboio, para a fronteira com a Jugoslávia.
Em Outubro de 1908, Timisoara fazia parte do Império Austro-Húngaro. Elek Schwartz nasceu lá. Ou, melhor, nasceu em Temesrekas, uma cidadezinha logo ao lado, também nas margens do Timis. Ou Temes, à húngara. O seu nome de baptismo era Alexandru. Cresceu e quis ser jogador de futebol. Passou pelo Kadima Timisoara e pelo Clubul Atletic Timisoara. Era defesa. Dos bons. Chegou a profissional, mas em França. No Hyères, para começar, em seguida no Cannes, no Estrasburgo e no Red Star. Por isso estava em Paris em 1939. Apanhou o início da II Grande Guerra.
Viveu na clandestinidade. Os campos de futebol da Europa deram lugar às trincheiras. Não voltou a jogar.
Um revolucionário!

Findo o conflito que arrasou com o continente, Schwartz reapareceu no Sul de França. E o futebol voltou a brilhar na sua vida com a força do sol da Côte d'Azur. O Cannes, por onde tinha passado como jogador durante duas épocas, escolheu-o para treinador. Gostou. Estávamos em 1948. Não tardou a trocar o Cannes pelo Mónaco. Duas belas cidades para se viver.

Elek Schwartz é um dos pontos de ligação que o Benfica tem com o seu próximo adversário na Liga Europa, o Eintracht Frankfurt. O mundo da bola às vezes é tão pequeno e redondo como ela.
Em 1967, Schwartz saiu do Benfica e foi treinar o Eintracht. Em 1969 estava no FC Porto. Mas já lá vamos.
Na Alemanha, Alexandru semrpe foi considerado um técnico da escola húngara. E ele chegou à Alemanha pela porta de um pequeno clube SF Hamborn 07, dos subúrbios de Duisburgo. Fez figura. O campeonato alemão era um pouco confuso na sua elaboração. Disputado por regiões. Depois, os campeões regionais iam-se eliminando até ficarem dois que decidiam entre si o título da Alemanha Federal. Ou Ocidental, como preferirem.
O campeão de 1955, o Tot Weiss Essen, arrisca: vai buscar o romeno que para els era húngaro, mas o título foge-lhes por entre os dedos. Schwartz tem outro desafio: a selecção da Holanda. Pobre Holanda desses tempos confusos. Amadorismo total, desorganização, mas também talento - tanto perde 0-7 com Alemanha como ganha ao Brasil (1-0) campeão do mundo de 1962.
E, de súbito, o Benfica. Com Schwartz, a carreira dos encarnados na Taça dos Campeões é extraordinária até à final perdida frente ao Inter (0-1) em São Siro: Aris - 5-1 e 5-1; La Chaux de Fonds - 1-1 e 5-0; Real Madrid - 5-1 e 1-2; Vasas - 1-0 e 4-0. A incrível decisão da UEFA em marcar a final para o estádio de um dos finalistas terminou com o sonho da terceira taça.
Schwartz foi campeão de Portugal, mas não chegou. Parte para o Eintracht de Frankfurt e faz uma revolução: implanta o 4-2-4, que os alemães ainda não utilizavam, e passa três anos a desenvolver uma equipa competitiva que, apesar de tudo, não consegue melhor do que uma meia-final da Taça das Cidades com Feira, agora Liga Europa.
Resolve regressar a Portugal e a sua estrela funde-se como a lâmpada mal enroscada de um candeeiro velho. No FC Porto termina o campeonato em nono lugar. Ele, que fora estimado em Lisboa, sai escorraçado.
Chega o ano de 1970. Volta à Holanda, assume o Dordrecht e, em seguida, o Spara de Roterdão, mas é um homem marcado pela derrota. Passa pelo TSV Munique 1860 e ainda tem uma última chama de ambição ao conduzir o Estrasburgo de regresso à I Divisão francesa.
Hagenau, na Alsácia, no Baixo-Reno parece-lhe um lugar bonito para terminar a vida que foi longa de 91 anos. Não é capaz de recusar o pedido de treinar a equipazinha local, mas é apenas uma distracção derradeira de uma existência já completa. Nunca esqueceria aquela noite mágica em que o Benfica destruiu o Real Madrid na Luz por 5-1. Ficou na memória dele, na memória dos benfiquistas e na memória do futebol. Um momento digno de ficar pendurado na parede do museu vivo de todas as lembranças."

Afonso de Melo, in O Benfica

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