"O Benfica voltava a disputar a Taça Latina, que já tinha conquistado em 1950. Chamartín encheu-se para os quatro jogos. O primeiro seria contra o campeão de França, o Saint-Étienne; a final frente ao Real Madrid viria a seguir.
Gosto de vésperas. E explico logo aqui à frente: daquilo que mexe com a gente nos dias que antecedem os grandes jogos. O futebol devia ser sempre o cúmulo da emoção em redor de uma bola a ser alimentado pela experiência.
Muitas vezes escrevo aqui sobre vésperas.
Ainda há pouco tempo, a propósito do Ajax - Benfica, daquela última noite em Amesterdão antes da final da Taça dos Campeões Europeus frente ao Real Madrid. A última ganha. As finais europeias do Benfica daí para cá têm encaixado na célebre frase de Mário Filho, o jornalista que deu nome ao Maracanã. 'A derrota é uma doença que só a vitória cura'.
O Benfica precisa de se libertar depressa dessa doença das finais perdidas.
Hoje não vou falar de uma final perdida; vou falar da véspera de uma meia-final ganha.
Na Taça Latina de 1957.
O adversário era o Saint-Étienne: 'Les Verts'. Também chegaria o seu tempo de uma final da Taça dos Campeões perdida, recordo-me bem, aos pés do Bayern de Munique.
Deixemos isso.
No dia 18 de Junho de 1957, o Benfica estava em Madrid. Ia lutar pela Taça Latina. A mesma Taça Latina que conquistara, na sua primeira final europeia, logo ganha, no Estádio Nacional, em 1950, ao Bourdéus.
Agora, o campeão francês era outro.
E na meia-final que sobrava, jogava o Real Madrid contra o AC Milan.
Era uma grande competição essa Taça Latina, embora tão desprezada entre nós. Vale a pena visitar a que está em Lisboa, ali ao lado, no museu.
Vitória e derrota por um golo
O Saint-Étienne ganharia o campeonato de França com uma perna às costas. À terceira jornada já ia na frente. À décima, levava seis pontos de avanço. Depois tremeu um bocadinho de cansaço, quase no fim. Nem se deu bem por ela.
Jogadores magníficos na época: Mékloufi, sobretudo, nascido na Argélia. A 'Alma Verde', chamavam-lhe. Um criador de situações sempre imprevisíveis. Nesse mesmo ano ganhou, com a França, o campeonato do mundo de militares.
O regime francês usou-o muito: sobretudo como imagem de integração de um argelino na sociedade colonizadora que os argelinos combatiam ferozmente.
Mas também havia o ponta-esquerda Lefèvre; Peyroche, interior-direito; Claude Abbés, um guarda-redes magnífico.
Os jornais falavam de um sistema de jogo revolucionário concebido pelo treinador Jean Snella: uma mistura de futebol curto defesa fisicamente duríssima e num desdobramento de lances ofensivos muito rápidos.
Mas o Benfica era favorito. Isto também diziam os jornais.
Cada véspera é seguida de uma nova manhã.
A manhã encarnada depois da meia-final de Chamartín foi radiosa de sol que banhava Madrid.
Calado, aos 17 minutos, marcara o golo único e decisivo na baliza de Abbés.
Zezinho, Calado, Águas, Coluna, Cavém: todos eles em grande plano. Novamente a final, tal como em 1950.
Desta vez perdida: o Real Madrid, que batera copiosamente o Milan por 5-1, venceu com um golo de Di Stéfano, aos 50 minutos.
Era uma ironia, essa troca de um-zero de um jogo para o outro. Amarga ironia, claro.
Sobretudo porque, na primeira parte, tanto Palmeiro como José Águas tiveram a baliza de Alonso à mercê. Depois, Zezinho lesionou-se. Fez figura de corpo presente, nesse tempo ainda sem substituições. E Costa Pereira foi enorme, recebendo com frequência os aplausos dos ruidosos adeptos madrilenos. Principalmente quando saía aos cruzamentos, com aquele jeito especial que trouxera lá de Moçambique, de Nacala, onde jogara basquetebol durante a adolescência. Erguia-se, majestoso, agarrava a bola como um príncipe da grande-área e ouvia-se num eco: 'Oooohhhh!' Só lhe faltava agradecer com uma vénia, como no teatro.
Costumava dizer-se que fora uma romagem de magnífico desportivismo. Foi. O Benfica resolvera com segurança a sua questão com o campeão da França: a derrota perante o enorme Real Madrid de Kopa, Di Stéfano, Rial e Gento prometia mais momentos históricos para breve.
Não tardaria que a revanche surgisse naquela noite de Amesterdão.
De alguma forma, estas eram as vésperas de um Benfica campeão da Europa."
Afonso de Melo, in O Benfica
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