"Crê-se que a Justiça defenda os justos e os honrados. E não que poupe os desonestos. Acredita-se que a Justiça seja justa, célere e competente. E que não se deixe enredar nos seus próprios engulhos, como a deusa Lilith, feita demónio. Fiamo-nos de que a Justiça cumpra o que os homens lhe determinaram: e não que apenas aprendesse a de defender (sem êxito) dos seus males e cada vez mais, a se deixar esgotar corporativamente em si própria, sem se preocupar em cuidar devidamente daqueles que a pagam e por ela ainda chamam, acreditando, pelo menos, numa razão universal.
Temos confiado em que a Justiça seja sempre exercida de acordo com os rigores da Lei. E até acreditamos na Lei. Mas também sabemos que os legisladores, menos sóbrios e mais prolixos do que a sabedoria recomenda, tradicionalmente se dão, no nosso país, a legislar nos gabinetes, com a mesma loquacidade, que usam em tribunas parlamentares e no espaço público, onde tanta e tanta vez os vemos defender, também corporativamente, o indefensável, o impróprio e indesejável.
Em Portugal, somos mansos. Aceitamos tudo, acreditando sempre. E de tal forma é assim, que todos nós temos visto, com passiva perplexidade, as absurdas reivindicações patrimoniais e as greves dos juízes, assim como as bravatas dos funcionários judiciais; os lamentos, os avisos e as paragens das polícias e dos investigadores; e os protestos e ameaças de procuradores e magistrados do universo do Ministério Público. Todos assistimos incrédulos e pasmados e inquéritos sob sigilo que as televisões reproduzem integralmente; a medidas de coação ridiculamente ineficazes; e constantes fugas, partilhas e violações do chamado segredo de justiça, com alguns órgãos de comunicação privilegiados pelos funcionários públicos, nisso parece, interessados; e a fases de instrução que depois desdizem as 'sentenças' previamente encomendadas à opinião pública. E todos sabemos de julgamentos com dezenas ou centenas de testemunhas que se arrastam por meses e meses, fora os anos depois somados, com as manobras dilatórias que os códigos (também parece que) incentivam. E por fim, ainda ficamos só de boca aberta, perante a infinidade de processos de colarinho branco e de colarinho escuro, em que ex-políticos velhacos e ex-banqueiros bandidos impunemente se passeiam e vangloriam com os atrasos, e com a bandalheira a que, enfim, o sistema (que os não pune) aparenta ter-se reduzido.
Infelizmente, é, de facto, à mercê deste estranho modelo e deste estranho pessoal que todos estamos."
José Nuno Martins, in O Benfica
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