"A esta altura do campeonato começo a suspeitar de que Bruno de Carvalho não gosta muito dos jornalistas.
Quer dizer, também não é não gooooosta. Talvez goste de um ou de outro, pronto.
Gostará porventura daquele trio, que recentemente deixou o jornalismo para trabalhar para o Sporting, com quem na última semana se sentou num programa de três horas no canal do clube a ouvir-lhes umas inconfidências da redacção e uns vilipêndios à profissão que tanto lhes deu.
Já desconfiava de que ele não ia à bola com os jornalistas quando no início da sua presidência vi uma conferência de imprensa com palmas (dos adeptos) e sem perguntas (da comunicação social).
Contudo, exceptuando a veemente condenação à forma como colocou em risco a integridade física de alguns repórteres na assembleia geral do clube, estas linhas não vão no sentido de uma reacção epidérmica e corporativa às palavras do presidente do Sporting.
Sobre Bruno de Carvalho digo desde já: tem o mérito de, finalmente, mostrar vitalidade num clube que definhava durante as últimas décadas. É, portanto, compreensível a popularidade do presidente junto dos seus adeptos, sempre alerta para justificar-lhe cada intervenção, por mais despropositada que seja.
Percebo as angústias, não apenas suas, sobre eventuais desigualdades de tratamento por parte da comunicação social, levando a que a mensagem predominante no espaço público seja muitas vezes a de um dos seus rivais.
Compreendo com a indignação, não apenas sua, em relação a alguns jornalistas que foram alvo de graves acusações documentadas sobre a falta de credibilidade do seu trabalho e que não vieram a público dar uma explicação cabal – uma omissão, diga-se, que não põe em causa só o bom nome dos próprios, mas o de toda a classe.
Venho, portanto, em missão de paz. Só para realçar que é demasiado conveniente confundir comentadores e colunistas, sem qualquer obrigação deontológica, ou até uma minoria de jornalistas, engajados, com «os jornalistas».
«Os jornalistas.» Todos. Essa cambada de «avençados», como vejo escrito por adeptos mais ou menos coléricos. Eu que nunca recebi (jamais receberia) outra avença que não fosse das entidades patronais para as quais trabalhei e que não conheço casos concretos de quem tenha recebido – a dúzia de nomes que circularam por aí, envolvidos num alegado esquema engendrado por uma figura sinistra do futebol português, fez o que devia: desmentiu-o publicamente.
Venho, portanto, em missão de paz, para dizer que essa amálgama não identificada não existe e, como tal, não é rotulável. É como qualificar «os adeptos de futebol», quando todos sabemos que há os bons (os do nosso clube) e os maus (os do rival) – não é verdade?
Venho alertar para os perigos de quem quer substituir o jornalismo por propaganda pura e simples transmitida pelos canais oficiais.
Sem jornalistas, restar-nos-á o arco-íris propagandístico sem contraditório, que satisfará apenas os adeptos mais fanáticos, felizes por ouvirem, dia após dia, os «amanhãs que cantam» e as boas-novas que passaram pelo crivo do líder.
Sem jornalistas, sobrará na sala de imprensa apenas espaço para os «repórteres» dos clubes (levam aspas por não terem equidistância ou isenção que as dispensem), que, devidamente «brifados», antes, ou alertados por sms, durante, farão nas conferências de imprensa perguntas sobre «quão fantásticos são os nossos adeptos» ou, se conveniente, sobre «que opinião tem sobre a arbitragem».
Este simulacro é o sonho de qualquer departamento de comunicação: tudo ensaiado e devidamente articulado; nada fora do controlo.
Neste momento, é evidente a crise nesta batalha pela confiança de quem nos vê, lê e ouve. Do lado de cá da barricada, podemos ignorá-la ou então saber defender o nobre exercício da actividade jornalística. O caminho passará sempre pelo cumprimento de normas deontológicas básicas e por um critério editorial claro. Só pode ser este o caminho. Até porque o atalho que nos propõem é o do obscurantismo.
Eu, que venho em missão de paz, convenço-me, ainda assim, de que a comunicação não ganhará assim tantos jogos como isso: para se ser campeão, vale bem mais contratar um bom avançado do que 50 pseudo-avençados.
Por via das dúvidas, a economia tem sempre razão e a crueza dos números está do meu lado: o salário de um bom goleador é superior ao de uma redacção inteira.
Nesta altura do campeonato, porém, caso a equipa que investiu mais em reforços do que todas as outras – e cujo treinador ganha sozinho mais do que os 17 concorrentes somados – deixe de ser candidata ao título antes do tempo, a reflexão que terá de ser feita não merecerá certamente três horas na televisão do clube. Talvez nem sequer três minutos.
Por outro lado, quem tiver carteira profissional e costas largas terá o perfil ideal para desviar as atenções."
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