"Meu querido Benfica,
Muitos parabéns. 114 aninhos e continuas tão bonito como no dia em que todos, sei lá quantos milhões, nos apaixonámos por ti. Já te disse isto antes, mas hoje é dia de festa redobrada lá em casa. O Tomás e o Sebastião cantaram os parabéns à avó Guta e a ti. A seguir perguntaram-me se o Jonas jogava hoje. Não lhe dei o presente que eles pediram mas o aniversário não é deles. Terão uma vida inteira para perceber. Além disso, compensamos já no fim-de-semana contra o Marítimo.
Escrevo estas coisas um nadinha comovido porque é tudo verdade. O Benfica e a minha mãe fazem anos no mesmo dia. Gostava de escrever algo que superlativasse devidamente esta coincidência, e vou tentar com muita força nos parágrafos seguintes, mas já sei que estou condenado ao falhanço. Podia ser só isso, mas ninguém ia aceitar um texto com tão poucos caracteres na Tribuna e o meu amor por ti não se fica por aí.
Os meus filhos já reagem instintivamente ao Benfica. Há um lado do seu pai que, imbuído de uma pedagogia discutível, apela ao pluralismo cromático e aplaude quando os vê escolher o azul ou o verde em questões menores da vida como a cor de céu favorita - azul ganha ao cinzento - ou a cor que define um jardim - é o verde. Porém, quando o futebol lhes entra pelos olhos adentro, há já uma tentativa de verbalizar, uma atenção consciente, há, direi até, uma recepção dirigida rumo à baliza. Mas há mais. Imagina tu, meu querido Benfica, que o destino decidiu oferecer-me uma esposa que tem uma fotografia sua a receber a medalha de 25 anos de sócia ao lado do Ricardo Araújo Pereira, uma das pessoas a quem eu mais tentei agradar desde que decidi escrever um parágrafo que fosse. Eu não sou de hashtags, mas porra. Se tudo isto não é caso para dizer #blessed, não sei o que será.
Já percebeste. A vida é maravilhosa para um tetracampeão, mesmo que chova no teu dia de aniversário. Que se dane. Não seria a primeira vez que celebrávamos juntos à chuva. Como dizem os indefectíveis adeptos organizados que te levam para todo o lado e fazem este activista de sofá sentir-se devidamente representado, mas também privilegiado por ser do clube que é: Seja. Onde. For.
Eu podia dizer que não me lembrava, mas estaria a mentir. 23 de Maio de 1990, por volta das 16:45. Turmas inteiras numa escola primária de Linda-a-Velha eram mandadas mais cedo para casa. Celebrámos todos, independentemente da cor clubística. Foi bonita a festa. Ruy Belo escreveu que “a eternidade é não haver papéis”. Para uma criança de 8 anos, a eternidade era não haver aulas e Portugal ficava em frente à tv. Ainda hoje me lembro da perplexidade com que percebi que um clube de futebol tinha alterado o dia de toda a gente. O Benfica jogava contra o Milan. Repito: foi bonita a festa. Perdemos o jogo. Ganhou-se um benfiquista. Nunca mais fui igual.
Muita coisa aconteceu desde então. Vê lá tu que me fizeram sócio do Belenenses e eu gostei tanto do Mapuata, do Jaime, do Galo, do Saavedra e das boleias infindáveis do pai Mirra que que ainda hoje me lembro de equipas inteiras que vi jogar no Restelo. Fui uma espécie de polígamo. Era miúdo. Felizmente soubeste aceitar-me, tu e o meu pai que terá visto ali um devaneio da adolescência. Souberam aceitar-me como eu era e nunca mais olhámos para trás.
Hoje, não poderia viver mais confortável na minha pele. Hoje, muitos anos depois de descobrir que seria do Benfica para sempre, percebo que o amor a um clube de futebol não é assim tão diferente do que acontece quando nos apaixonamos por outro ser humano. É uma foleirice. É um bocadinho sofrido. Sobrevive-nos através das pessoas que cá ficam e continuam. É uma abstracção mas tem morada, é um porto de abrigo, um ombro em quem encostar a cabeça ali na Av. Eusébio da Silva Ferreira. É, como diria o meu herói MEC, fodido.
É de loucos. Um dia damos por ti e queremos correr e dizer a toda a gente. Fazemos e dizemos coisas pouco racionais. Irritamo-nos com tudo e beijamos o símbolo da camisola, tudo porque amamos. Ou apenas, porque nem sempre parece suficiente. Olha, meu querido Benfica, só sei que um dia dei por ti e nunca mais te larguei.
Os dirigentes e adeptos de um certo belicismo clubístico que me desculpem, mas nós só cá estamos para cuidar do Benfica até à geração seguinte. Além disso, não é esse o amor que eu tenciono pregar no dia de anos do Benfica e da minha mãe. Ambos me ensinaram que há outro caminho.
E é justamente por isso que, quando algumas pessoas de outros clubes dizem que eu escrevo aquilo que escrevo porque sou um avençado ou um cartilheiro, o meu coração balança entre responder com o mais aguerrido dos insultos ou simplesmente retribuir com mais amor - neste caso, ao que é de hoje e sempre. E escrevo estas coisas um nadinha comovido porque é tudo verdade - o meu amor por ti. Parabéns, meu querido Benfica."
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