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terça-feira, 6 de setembro de 2016

O dia em que Amália homenageou o Benfica

"Calado levou um repenicado beijo da fadista, e Costa Pereira envolveu-se num xaile e cantou à desgarrada.

Corria o ano de 1957 quando o Benfica partiu para Madrid para participar na última edição da Taça Latina, ainda com a vitória frente aos Girondinos de Bordéus, sete anos antes, bem fresca na memória.
A viagem foi atribulada. Saíram atrasados do Lar do Jogador e a meio do percurso uma avaria no motor do autocarro obrigou-os a trocar para outro mais pequeno que só andava a 65 Km/h. Chegaram a Madrid às 3h da manhã mas a comitiva esteve sempre animada graças aos cantores de serviço. Ângelo cantou fado castiço, as canções espanholas ficaram a cargo de Cavém, a voz mais desafinada de que há memória, 'que nem consegue acabar as cantigas', e Costa Pereira, o 'guarda-redes-cantor' com 'a sua voz bem timbrada', agitou o ambiente com sambas.
Quem também andava por terras madrilenas era Amália Rodrigues, que, assim que soube que os portugueses do Benfica iam participar na competição internacional, fez-lhe chegar uma mensagem de motivação: apesar de adepta do Belenenses, tinha muita confiança nos 'encarnados' e queria muito que ganhassem a Taça Latina. A equipa acabou por ficar em segundo lugar, mesmo tendo começado com o é direito. Venceu o primeiro jogo, frente ao Saint-Étienne, por 1-0, com golo de Calado que lhe valeu um repenicado beijo da fadista nessa noite. 'Ó meu malandro, dê cá um beijo!' Caiado tentou envergonhar o colega: 'Já não lavas a vara durante toda a vida!', mas Calado confessou: 'Realmente fiquei vaidoso...'
A classe e luta que os jogadores imprimiram nos jogos dignificaram, uma vez mais, o futebol nacional, e Amália, comovida com o desempenho dos 'encarnados', decidiu homenageá-los num almoço no restaurante da sua irmã, Celeste Rodrigues, em Lisboa. Nessa tarde, a fadista belenense catou de improviso um poema dedicado ao Benfica: 'Futebol e fadistagem unem-se neste momento. Dum lado a força, a coragem. Doutro o fado, o sentimento', e Costa Pereira, imbuído do espírito, envolveu-se num típico xaile e soltou o fadista que havia em si. Amália gostou e felicitou-o. Afinal o rapaz tinha talento! As desgarradas continuaram e, no início da noite, ainda se ouviam na rua os acordes das guitarras e as vozes desafinadas de alguns jogadores.
A inconfundível voz de Amália também está presente no Museu Benfica - Cosme Damião e pode ser ouvida na área 15. No caminho do tempo."

Marisa Furtado, in O Benfica

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