"Tive um pesadelo. Com tanto futebol por aí, fui sonhar com o mundo que o compõe e rodeia. Mas não havia humanos. Só pássaros. Que esvoaçavam em movimentos sinuosos: tordos, andorinhas, pardais, milhafres, abutres, corvos, cagarras, pelicanos, garças, gaviões, falcões, patos-marrecos, corujas, tentilhões, gralhas. Em bandos discutiam as suas ligas, apitos, disciplina, direitos de imagem em alta definição, fundos e fundas. Ora zangados, ora amuados, ora em estranhos conúbios. Mas preocupados com a quebra de alimento com fibras (ópticas) e grãos de espírito (santo). Tudo em alvoraço, num ambiente de fim de festa terrificamente esplendoroso.
Ao fundo, ouviam-se os chilreares, ora em catadupa descontrolada, ora entre-cortados por silêncios estranhamente comprometedores. Os voos eram altos ou rasantes, em função da transacção de poisos, melhores lugares nos ninhos, raminhos de cooperação, penas e penugens suspensas e vendettas mesquinhas.
Era alucinante a velocidade com que naquele céu plúmbeo, a regra virava excepção, a anomalia se tornava norma, o definitivo e o provisório se miscigenavam sem decoro. O que, no início do sonho, parecia nobreza de espírito foi-se metamorfoseando em batota, descarte e esperteza. Valia tudo porque já nada valia, numa iconografia de sucesso sem regras, onde medravam as mais afoitas aves. Quase no fim do sonho, li Fernando Pessoa: «os homens dividem-se em três categorias - os que nasceram para mandar, os que nasceram para obedecer, e os que não nasceram nem para uma coisa nem para a outra». E os passarões?
Foi então que acordei e respirei de alívio. Voltei à sereníssima realidade."
Bagão Félix, in A Bola
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