"O General voltou. Já ninguém se lembrava dele e, de repente, ei-lo que regressa às páginas dos jornais. Saiu à rua num dia triste no qual o cheiro a podre tomou conta da atmosfera deste País sem futuro. É dia de festa!, ladram alguns. O General está menos estático e mais decrépito. Os anos passaram sobre a sua figura macabra de cadoz - barba desleixada e mal semeada - arredia de princípios e dignidade. Não sei se mete pena se mete nojo. O General não tem comando, é apenas um peão. De há muito tempo a esta parte que passou a ser um boneco articulado nas mãos do Palhaço. De tempos a tempos, quase de anos a anos, o Palhaço solta o General. E, tilintando de medalhas feitas de caricas de garrafa, o General avança em passo de ganso num ridículo quase prussiano. E fala. E General fala!
É bem possível que nem todos acreditem que ele fala já que o seu rosnar é imperceptível. As palavras sem-lhe a custo e com um sotaque rústico, quase demente. Mas são palavras de elogio. O General gosta de corruptos, de trafulhas, de mentirosos e de ladrões. Gosta, portanto do Palhaço. O Palhaço é o seu mentor. Consta que, em tempos que lá vão, o apresentou a um comendador rico disposto a patrocinar as ambições do General. E o General tornou-se o ditador grotesco de um país ridículo. Com o Palhaço por cima, sempre por cima. O General anda por aí outra vez, comemorando, de chapéu de papel de jornal na cabeça, o aniversário corrupto da corte do Palhaço. Então felizes, um e outro. Revolvem-se na lama porca das canalhices do Palhaço. Retouçam como leitões de mama na imundície de um terreiro infecto. É esse o seu mundo. E, quando a noite cai, o Palhaço estende-se num colchão de palha no qual se multiplicam as pulgas e o General, obediente, chocalha as medalhas enquanto dá uma volta sobre si mesmo e se enrola submisso aos pés do dono."
Afonso de Melo, O Benfica
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