"Na iconografia bolchevique há um cartaz de 1918, por sinal, horrível, que reproduz a cena de São Jorge matando o dragão, mas com o revolucionário Leon Trotski montando o cavalo branco, embrulhado numa bandeira vermelha e lancetando sem piedade a criatura de má índole, simbólica da contra-revolução.
Anos mais tarde, Trotsaki foi vítima de depuração pela propaganda estalinista, sendo apagado das fotografias do regime, mas não da História.
Lembrei-me desta passagem perante a notícia de que a propaganda do FC Porto tinha obliterado André Vilas-Boas e as suas extraordinárias vitórias de 2011 num video promocional e motivacional de início da nova época.
Villas-Boas, salvo seja, encarna esta bela descrição de Trotski, por Lunacharsky, nos seus “Perfis Revolucionários”:
“Era então extraordinariamente elegante, bem diferente de todos nós, e muito bonito. Essa sua elegância, e especialmente uma espécie de descuidada e poderosa maneira de falar com não importa com quem, chocaram-me desagradavelmente. Olhei com desaprovação para esse janota, que balançou a perna sobre o joelho, e escreveu apressadamente com um lápis um esquema do discurso improvisado que ia fazer. Mas falou admiravelmente bem…”
Elegante, janota, de discurso poderoso e fluente, meio diletante, mas carismático, a prometer mudar a sociedade - de repente, vejo em Vilas-Boas um perigoso revolucionário para o "status quo” do "Partido” azul e branco, a arriscar idêntica purga sumária da que condenou o dissidente Trotski ao exílio e à morte:
“Uma tremenda imperiosidade e uma espécie de inabilidade ou uma vontade de ser inteiramente cuidadoso e atencioso com o povo, uma ausência daquele charme que sempre cercou Lenine, condenaram Trotski a uma certa solidão. Até mesmo alguns dos seus amigos pessoais tornaram-se depois inimigos seus declarados…"
Mais de cem anos depois, vemos um video promocional sobre ícones da história de um clube, que omite os feitos e o líder do ano em que venceu todas as provas internas e uma taça europeia - o 2011 de André Vilas-Boas. Alegadamente porque a camisola desse ano não teria relevância estética.
- Sim, ganhámos tudo o que havia para ganhar, foi uma época inolvidável, mas a camisola era horrível.
- Ah bem, pois claro, realmente, que falta de gosto, até estragava o filme.
Expliquem-me que não foram os “contra-revolucionários” a desafiar ostensivamente este moderno cavaleiro do Bem, mostrem-me que não foram os papistas a ultrapassar as encíclicas papais.
O assunto é paroquial, sem relevância num contexto de partido único, apesar do folclore democrático suscitado pela declarada ambição do antigo vizinho de Bobby Robson de concorrer às próximas eleições de uma agremiação que o ortodoxo Pedro Marques Lopes define como “o clube do povo e da democracia, não o clube de uns tipos que se julgam predestinados”.
Dias antes, o primeiro-ministro António Costa tinha feito uma visita particular ao Museu do FC Porto, para afogar os seus “desgostos”, tendo como cicerones Pinto da Costa e Rui Moreira, baluartes da “doxa” portista.
Dá para imaginar o diálogo junto da vitrina da Taça UEFA de Dublin:
Vamos lá ver… Bela conquista!
Sim, infelizmente a camisola não era de sonho."
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