"Entrou já o jogo se jogava há mais de uma hora, rematou três vezes, fez dois golos e teve a eficácia que antes o criticaram por não ter. O avançado suíço deu a vitória (3-2) contra um bom, atacante e perigoso Rio Ave e disfarçou os problemas de passividade e controlo de profundidade do Benfica, que está nas meias-finais da Taça de Portugal
Lucas Piazón pode bem ser um bom menino, simpático no trato, um íntegro amigo do amigo e acumulador de outras qualidades atraentes para a sorte abençoar quem é, ainda e há muitos anos, um jogador ligado ao Chelsea, mas está no Rio Ave, com ar concentrado, à beira da área na Luz, medindo a abordagem à bola parada, a mecânica é de quem muito ensaiou e repetiu, bate-a com a parte de dentro do pé, a rotação top-spin fá-la saltar a barreira, descer e acaba a trajetória dentro da baliza.
Mehdi Taremi é, lendo os números sociais, um querido e afamado futebolista no Irão, de onde saiu apenas para o endinheirado Qatar, onde, por sua vez, tinha um chorudo salário do qual a persuasão de Carvalhal, a ajuda de Queiroz e a mediação do tradutor entre os dois Carlos o convenceram a abdicar para, na mesma Luz, arrancar uma diagonal das costas para a frente de Ferro e, também à entrada da área, mergulhar de cabeça e fazer sobrevoar um chapéu a Zlobin.
A história dos dois golos do Rio Ave em 45 minutos, mesmo que ricas nas narrativas de quem os marcou, são incontáveis por si só, porque a sofrê-los está o Benfica e os seus comportamentos sem a bola.
Aos 4’, a primeira e a segunda linhas de pressão no meio campo contrário só têm jogadores passivos, que não apertam a condução de Matheus Reis e o deixam correr até à falta necessária de Rúben Dias (antes de os apoios que Zlobin fixa tarde, para saltar em direção ao poste); aos 29’, o mesmo lateral esquerdo nem corre, apenas caminha rápido, tem tempo e espaço para ter a cabeça levantada e levantar o passe para a profundidade atacada por Taremi, que Ferro vê a decidir, arrancar e acelerar o movimento sem ajustar a marcação ou o espaço.
A defender, o Benfica é ultrapassado tanto quando Tarantini separa os centrais e o Rio Ave sai a três, porque Vinícius e Chiquinho se alinham, demasiadas vezes, ou quando opta por sair pelos laterais, sobretudo à direita, onde a equipa espera pelos recuos de Piazón, que dá um terceiro homem e a superioridade em números para as saídas de pressão. Sempre pela relva, com passes curtos e Taremi nunca quieto, a criar dúvidas em Rúben Dias e Ferro.
Não que as posses de bola do Rio Ave sejam rápidas, verticais ou com três e quatro jogadores a romperem espaços, na frente, em simultâneo, mas o Benfica, tão lentamente reactivo em vez de activo a condicionar as jogadas, deixa o portador da bola muitas vezes descoberto e com hipóteses de tentar colocar passes nas costas da defesa. E tudo contrabalança o que o Benfica faz com bola.
Porque Weigl e Taarabt, sempre próximos, desmontam com passes curtos quem os pressiona, juntam-se para tirar a bola dos cercos adversários e, aos poucos, atraem Chiquinho para longe dos centrais. Os três dão ritmo às jogadas e, em 10 minutos, desmontam os bloqueios do Rio Ave ao centro do campo, lançam Vinícius e Cervi - que marca aos 13’, de pé direito, após uma tabela - e dispensam, estranhamente, a influência que PIzzi sempre tem quando o Benfica ataca uma baliza.
Há o golo e remates do português, do brasileiro e do argentino, produtos de uma produção que tem muito volume e presença até à área, mas que se precipita quando falta um passe, uma decisão, um toque para alguém poder rematar à baliza.
Recuando as linhas, esperando mais e tendo os laterais a respeitar os abusos na projeção de Grimaldo e Tomás Tavares, o Rio Ave é empurrado para a área na segunda parte, deixando Weigl - antes de ser improvisado a central - e Taarabt sem incómodos quando têm a bola, de frente para o jogo, a tentar ligar passes entrelinhas.
Um minuto depois de Weigl recuar, o risco avançar e Seferovic entrar, o Benfica opta por inserir o central com menos criação nos pés no ataque, Rúben Dias cruza uma bola, Vinícius desvia-a na área e o suíço, creio que ao primeiro toque no jogo, remata (64’) o custoso empate. Pouco depois, o esforço de Pizzi a perseguir um lançamento lateral acaba em cruzamento e no segundo remate de Seferovic no jogo (71’), que dá golo.
Ficando o Benfica, pela primeira vez, a ganhar, Samaris entrou, a equipa recebeu o sinal, as posses de bola tornaram-se literais e mais possessivas do que atacantes, a equipa olhou mais para os espaços a fechar aos outros do que aqueles a abrir para si e, concluindo, abrandou. O Rio Ave, subjugado até então, soltou-se como o fizeram antes do intervalo e Taremi voltou a rematar, Bruno Moreira imitou-o e Piazón também.
A regressada fragilidade defensiva do Benfica, muito falível a ajustar a linha à profundidade, com uma equipa demasiado lenta a reagir a adversários que recebam a bola de frente para a baliza, não foi aproveitada, de novo, pelo calmo, prático e bem organizado Rio Ave a construir ideias de trás, que já foi tarde para fazer alguma coisa em relação à narrativa de quem mais golos fez no jogo.
Haris Seferovic, o patinho feio que bravo foi a época passada, com 27 motivos de boniteza que não tivera na primeira temporada de Benfica, nem está a ter na atual, em que feio voltou a ser para muita gente que lhe descortina mais as falhas nas receções, nas ações perto da área e na forma como usa o que lhe servem.
Mas, e porque uma raridade não é sinónimo de coisa inédita, o suíço mostrou o que é ser 66% eficaz e, resultado disso, o Rio Ave perdeu, ele sorriu e o Benfica está nas meias-finais da Taça de Portugal."
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