"Contra o Belenenses, o livre apontado à cabeça do defesa; E contra o Belenenses, o «pior chuto da sua vida»...
1. Era o tempo em que atenção por Lisboa era o seu Taunus 17 M, o Taunus amarelo a que sinaleiros abriam passagem como se fosse estrela a cruzar os céus, resplandecente - e a estrela era ele. Do estrangeiro, inundavam-no de cartas. Revelara paixão escondida: o jazz (e que se não fosse futebolista talvez fosse bailarino), que gostava de Sofia Loren e de Charlton Heston - e do Benfica - Sporting que era a rivalidade entre Simone de Oliveira e Madalena Iglésias fugia, sorrateiro, como fugia dos defesas que lhe iam no encalço, em campo (às vezes rudes...)
2. Nesse ano de 1967, a PUMA fizera chuteiras em sua homenagem - e, para ele, em exclusivo, criou as primeiras chuteiras com nove pitons (o normal eram 10) - criando-as para que se adaptassem melhor ao seu corpo massacrado depois da terceira operação ao joelho: «Foram as botas que marcaram a minha carreira, incrível como me facilitavam o equilíbrio em campo».
3. Vivia cada vez mais no pavor de que o seu menisco, o seu joelho, se transformassem no seu calcanhar de Aquiles - por isso, fez o que ninguém imaginaria que fosse capaz: contra o Leixões, Gentil atacou-lhe a perna esquerda a pés juntos, a ideia com que ficou foi o poderia ter despachado outra vez para o estaleiro - e, de dor a remoer-se-lhe, viu autocarro do Leixões preparado para a viagem, entrou, viu Gentil ao fundo e, sempalavra, espetou-lhe um soco. O outro, comprometido, nem pestanejou.
4. Furibundo assim furibundo, vira-se numa outra tarde contra o Belenenses. A Manuel Rodrigues deu-lhe para entrar em jogo de picardia com frase que foi largando, provocatória: «Vai mas é apra a tua terra...» (e diz que lhe juntou o que se imagina...)
5. Depois, pensando que assim o poderia abalar ainda mais, disse pior o Rodrigues - e ele, ao ouvi-lo, fartou-se do desconchavo - e vingou-se: num livre, vendo Rodrigues na barreira, não apontou à baliza, apontou à cabeça dele. A bola saiu-lhe em fogo do pé - e acertando na cabeça do defesa, ele que caiu redondo, inanimado, na relva. Tiveram de o levar ao hospital - e, à noite, ele foi lá enfermaria, pedir-lhe desculpa pela «pastilha» (porque ele era assim - e não, não precisava...)
6. Em Maio de 67, a revisa Flama fez manchete com o «pior chuto» da sua vida e nessa tarde voltou o Belenenses a estar em jogo com o Benfica, na tarde que era de festa por mais um título - e acabou em escaramuça...
7. Lá, na Luz, Artur Glória, taberneiro do Casal Ventoso que fora treinador de boxe, saltou a vedação e, por dentro do sururu, correu em direcção a ele, que, sem saber se era para o abraçar ou se para o agredir, se defendeu puxando a perna direita ao ar. A perna enfeixou-se no peito de Glória - que a Jorge Schnitzer o contou: «Tive medo que me tivesse inutilizado para toda a vida. O que não percebo é como anda por aí a dizer que eu já lhe pedi desculpa. Ele é que ma pediu. Só queria felicitá-lo, fez-me aquilo. A sua sorte foi eu ter desmaiado. Porque, senão, tinha-o defeito, estava cego, não sabia se ele o tinha feito por mal ou não...»
8. Foi com Fernando Riera que o Benfica ganhou esse título de 1966-1967 com três pontos de vantagem sobre a Académica de Mário Wilson. E que ele voltou a ganhar a Bola de Prata com mais 6 golos do que Artur Jorge. E também foi nesse ano que chuva inclemente inundou Lisboa sem fim (e não só), estimando-se que tenham morrido mais de 800 pessoas que viviam em barracas. Ficaram, porém, os jornais proibidos pela Censura de falar no número de vítimas - e Portugal também se afundou: perdendo com a Bulgária, ficou fora do Euro 68. Antes, ele dissera-o: «O meu sonho agora é ser campeão da Europa...»
9. Aluna que, vinda do fundo da sua rebeldia, se atrevesse a entrar no liceu de minissaia e sem meias podia ser expulsa por «acto obsceno». Estudante da Faculdade de Letras apanhada pelo polícia de giro a fumar na paragem do Campo Grande podia ser multada em 20 escudos (pelo menos) porque em vigor estava portaria que considerava «atentado ao pudor mulher fumar na via pública». E ele só continuava no Benfica porque o fiasco do Itália no Mundial (eliminado pela Coreia que ele estraçalhara) o impedira de ir para o Inter num negócio que envolveria 90 mil contos (que agora seriam mais de 27 milhões de euros...)"
António Simões, in A Bola
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