"Fernando Santos não está acima da crítica, mas está acima de qualquer suspeita. Não apenas pelo que já ganhou, mas principalmente pela forma como empurra para longe qualquer desculpa para maus resultados. Pode parecer coisa pouca, mas é uma (boa) prática que não está suficientemente disseminada no futebol português. Frente à Holanda, o seleccionador nacional apresentou um “onze” cheio de novidades e depois da derrota nem sequer destacou o facto de não ter contado, nesta convocatória, com várias primeiras escolhas: Pepe, William Carvalho ou Danilo Pereira, mas também Rúben Dias ou Fábio Coentrão. E é bom lembrar que Rui Patrício não chegou a sair do banco de suplentes.
Estando esclarecido este ponto, não vale a pena esconder o óbvio: o jogo com a Holanda teve demasiados erros e equívocos. Foi apenas um teste (por muito que o “engenheiro do Euro” embirre com essa definição dos jogos de preparação), mas uma derrota por três golos coloca um deslustre sério num percurso recente quase imaculado do Campeão da Europa.
Será 1 + 10 ou 1 + 22. Seja qual for a formulação, Cristiano Ronaldo será sempre o ponto de partida e de chegada do seleccionador nacional no Campeonato do Mundo deste ano. Ninguém estranha que o capitão seja o primaz e que esse estatuto diferenciado acabe por ser recordado quase quotidianamente, até no discurso de Fernando Santos. No entanto, o relvado também fala e demonstra que Cristiano Ronaldo nem sempre está no centro das decisões. Ou da construção das decisões, pelo menos.
Esta é talvez a grande “divergência” táctica entre os dois melhores jogadores do mundo. Lionel Messi constrói, transporta a bola desde trás e também marca golos (e de que maneira). Cristiano Ronaldo é, provavelmente, o melhor finalizador do mundo, mas mudou. Deixou praticamente de ser um construtor de jogo ofensivo. Nem lhe seria fácil continuar a ter esse papel e, ao mesmo tempo, acomodar cada vez mais golos numa lista muito extensa de recordes. Actualmente é ali, na zona das decisões, que o capitão se torna verdadeiramente fora de série.
Por tudo isso, mais do que a própria lista dos 23 convocados (também não resisto a esse exercício e farei a minha brevemente, como qualquer outro português), torna-se impositivo perceber o modelo de funcionamento do meio-campo, do coração da organização ofensiva de Portugal. Os mais brilhantes alinhamentos da zona intermediária apareceram no Euro 2004 (Costinha, Maniche e Deco) e no Euro 2016 (William Carvalho, Adrien Silva e João Mário, com papéis relevantíssimos de João Moutinho, Renato Sanches e André Gomes), mas o elenco-base do torneio francês dificilmente poderá ser replicado na íntegra no mais extenso país do mundo. Sejam quais forem os nomes, parece mais ou menos claro que Cristiano Ronaldo continua a ser (ainda) mais letal quando tem um companheiro no centro do ataque. A fase de apuramento para o Mundial e a parceria de sucesso com André Silva tornam-se num comprovativo quase indesmentível.
Os dois jogos da Selecção Nacional na Suíça estarão muito longe de caber numa lista de ouro do futebol português, mas também não devem acicatar exageradas reservas em relação ao desempenho do campeão europeu em título no Mundial. Da mesma forma, poderá não ser absolutamente decisivo para Fernando Santos aquilo que os jogadores fazem (ou não fazem) nestes jogos, porque o seleccionador, ao contrário dos (cada vez mais) exigentes adeptos, conhece muito bem todos os “trinta e tal” jogadores que esperam (ou sonham, nalguns casos) ouvir o nome na convocatória para o Mundial, lá para o mês de maio.
P.S. – Há pouco mais de uma semana, Bruno de Carvalho pedia a intervenção governamental para acabar com dois flagelos do futebol nacional: a corrupção e a violência. Tem toda a razão, mas passaram apenas alguns dias e o presidente do Sporting tornou-se num potencial alvo da possível intervenção que reclama, ao desferir um violentíssimo ataque (através de palavras) ao homólogo do Sporting de Braga. O insulto praticamente gratuito é um potenciador de violência. Como tal, deveria ser punido de forma exemplar. Infelizmente, em Portugal, o futebol continua a ser um Estado dentro do Estado, com a inacção cúmplice dos responsáveis governamentais pela área do desporto. Só isso explica que seja possível recorrer a práticas pouco dignas para dirimir uma transferência, aproveitando o espaço mediático que é dado aos principais clubes nacionais."
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