"Segundo o Formulário de Inscrição de Francisco Lázaro para os Jogos Olímpicos de 1912, datado de 4 de Junho daquele ano, faz precisamente hoje, 127 anos que no Bairro de Benfica em Lisboa, nasceu Francisco Lázaro (8 de Janeiro de 1891-15 de Julho de 1912).
O verdadeiro nome de Francisco Lázaro era Francisco da Silva (António Simões, 2016). Era filho de Lázaro da Silva e quando começou a ganhar as corridas em Benfica o povo dizia: “olha o Francisco do Lázaro” ou “lá vai o Francisco do Lázaro”. Com nos jornais aparecia Francisco Lázaro, acabou por ir ao cartório mudar o nome de Francisco da Silva para Francisco Lázaro.
Foi o primeiro maratonista olímpico com as cores da primeira Missão Olímpica Portuguesa, tendo também sido o porta-estandarte da novel bandeira Republicana, na Cerimónia de Abertura dos Jogos da V Olimpíada da Era Moderna que se realizaram de 5 de Maio a 27 de Julho, no ano de 1912 em Estocolmo na capital da Suécia. Na altura a recém-oficializada bandeira portuguesa era ainda pouco conhecida em todo o Mundo, pois tinha pouco mais de ano e meio de existência, mas já apareceu no cartaz oficial dos Jogos. Curiosamente até aos dias de hoje, nunca mais apareceu nos Cartazes Olímpicos.
Estocolmo foi a única cidade candidata, escolhida como sede dos Jogos Olímpicos de 1912, no Congresso do Comité Olímpico Internacional (COI), que se desenrolou em Berlim, no dia 18 de Maio de 1909. Promoveu uma competição organizada e realizou a mais brilhante edição até então desde o ano de 1896, num Estádio construído em 1910 sob a direcção do arquitecto Torben Grut (1871-1945), na zona Este da capital sueca.
Na página da Internet do COI, menciona que participaram 28 Missões Olímpicas, pela primeira vez dos cinco continentes, num total de 2407 atletas, sendo 2359 homens e 48 mulheres, com participação em 102 provas nas 15 modalidades.
O novel Comité Olímpico Português (COP) tinha sido fundado no dia 30 de Abril de 1912 e não em 26 de Outubro de 1909 como ainda se vai vendo muito erradamente escrito, isto apesar da grande teimosia do COP no repor a verdade histórica que andou arredada da realidade durante várias décadas. A Revista “Os Sports Ilustrado” de 4 de Maio de 1912 menciona que se constituiu o Comité Olímpico Nacional com o intuito de tentar enviar uma equipa aos Jogos Olímpicos de Estocolmo na Suécia.
Em finais da década de setenta do século passado, houve uma grande confusão sobre a Sociedade Promotora da Educação Física Nacional (SPEFN). Sequeira Andrade (2007) menciona que o ato da sua fundação ocorreu no dia 8 de Julho de 1909 e não em 26 de Outubro ou 27 de Novembro de 1909, conforme Revista Tiro e Sport, nº 426 de 18 de Julho de 1909, cujos estatutos da SPEFN foram apresentados em 27 de Novembro de 1909 tendo como conclusão, que as datas de 24/26 de Outubro de 1909 nunca existiram, nem associativa, nem desportiva, nem olimpicamente.
Assim, levou 37 anos para ser reposta a data real da criação do COP, mas, através do Presidente José Manuel Constantino que tomou posse em 4 de Abril de 2013 e teve a coragem de passados 1122 dias em exercício de funções de repor a verdade histórica. Sobre esta temática, aconselho a leitura de “Fundação do Comité Olímpico Português”, de Gustavo Pires (2016) e da Editora PrimeBooks, bem como o portal “Fórum Olímpico de Portugal – Desporto & Desenvolvimento Humano”.
Desde 1979 que o saudoso Orlando Azinhais preveniu o Plenário Olímpico sobre o erro de se considerar 1909 como ano da fundação do Comité. Era nessa altura Presidente do COP, Daniel Sales Grade de 1977 a 1980. Depois vieram Francisco Lima Bello (1981 a 1989), José Vicente Moura (1990 a 1992), Vasco Lynce (1993 a 1996), novamente José Vicente Moura (1997 a 2012), mas nada alteraram sobre a data da criação do Comité Olímpico Português, pois nunca tiveram a coragem de acertar a verdadeira história.
Em 2006, o autor destas linhas fez uma apresentação na Academia Olímpica de Portugal (AOP), quando da realização da XIX Sessão Anual que se realizou em Almeirim, sobre “A Origem do COP” é lá foi comprovado o dia 30 de Abril de 1912, tal como anteriormente ficou escrito em artigo publicado na Revista Atletismo no ano de 2003.
Francisco Lázaro de aprendiz de carpinteiro com seis tostões (0,003 €) por dia ascendeu a oficial especializado em carroçarias de automóveis da firma Ferreira & Viegas, na Travessa dos Fiéis de Deus (actualmente, nº 117), no Bairro Alto em Lisboa. Na época os automóveis eram mais amadeirados que de metal.
Não tinha treinador, pois naquela época ainda não existiam técnicos. Após o trabalho, Lázaro corria diariamente de Benfica até S. Sebastião da Pedreira, e até ao Bairro Alto desafiando, no percurso inverso, os transportes públicos os eléctricos “americanos” de tracção animal, conhecidos também pelos eléctricos do chora. Certo dia, alguém falou de uns deliciosos pastéis a Lázaro. Correu até Odivelas a comprá-los e voltou a Benfica, pouco depois, quase sem se cansar.
Em 3 de Maio de 1908, foi a sua primeira aparição e como estreia ganhou a corrida de 24 quilómetros com o tempo de 1 hora e 39 minutos, organizada pela Revista “Tiro e Sport”, com a designação de “Maratona Portuguesa” no percurso de Cascais ao Dafundo. Não foi possível participar em nenhuma prova no ano de 1909 por impossibilidade de se encontrar com doença prolongada nos pulmões. Até ao ano de 1910 representou o Velo Club Lisboa.
Foi realizada a denominada quarta corrida da Maratona em Portugal a 2 de Maio de 1910 (1ª Maratona oficial) que na altura tinha a distância clássica de 42,800 quilómetros, com o tempo de 2:57:35 horas (primeiro recorde oficial da Maratona) para Lázaro, tendo o segundo classificado (Armando Cruz) chegado cerca de 44 minutos depois. Partiram às 13:13:20 horas da Praça Marechal Saldanha, 12 concorrente e chegaram 10 à meta, no mesmo local da partida, depois de terem passado por Sacavém, Póvoa de Stª Iria, Santo Antão do Tojal e Loures.
Em 1911 ingressou no Sport Lisboa e Benfica tendo sido desafiado a representar o clube do seu bairro, onde por vezes jogava futebol. No dia 7 de Maio no Campo do Lumiar ganhou a primeira prova de Cross-Country Nacional ou designação de I Campeonato Nacional de Corta-Mato realizada em Portugal no tempo de 20:36 minutos, na distância de 4.200 metros, com 48 atletas de oito equipas na partida, com regulamento aprovado no dia 5 de Abril e definida a distância e o respectivo percurso. Tinha o dorsal com o número 13 e teve partida às 11:30 horas tendo ocorrido apenas uma desistência.
No dia 18 de Junho de 1911 com partida às 15 horas venceu novamente a Maratona (2ª Maratona oficial) na distância de 42,800 quilómetros com o tempo de 3:09:53 horas. Dos 23 concorrentes na partida, chegaram 22, onde o segundo classificado (José Matias de Carvalho) chegou quase 22 minutos depois. A partida foi dada na Praça Duque de Saldanha e o percurso passou pela Avenida da República, Campo Grande, Sacavém, Póvoa de Stª Iria, Vialonga, S. Julião do Tojal, Loures, Póvoa de Stº Adrião, Calçada do Carriche e Lumiar com a meta instalada junto à porta do campo do Sporting (Arons de Carvalho, 2017). Um dado curioso para a altura, era no regulamento a indicação aos clubes que os concorrentes tinham de ter mais de 18 anos e pagar a taxa de um escudo (0,005 €).
Já em 1912 encontrou carinho e amizade de D. José de Mascarenhas (1882-1944), 10º Marquês de Fronteira, que tinha corrido com Lázaro no Velo Club de Lisboa e lhe prometeu: “Vou dar-te condições de preparação, de higiene de vida e de alimentação que possa fazer de ti um campeão olímpico”.
Passou assim a representar o Lisbon Sports Club, da Cruz da Pedra, onde hoje está o actual Jardim Zoológico em Sete Rios. No dia 2 de Junho na 6ª Maratona Nacional (3ª Maratona oficial) alcançou um bom tempo para a época de 2:52:08 horas para os 42,800 quilómetros, no mesmo percurso do ano anterior tendo como ponto final a íngreme subida da Calçada de Carriche em Lisboa.
Nesta prova chegaram à meta 19 atletas dos 22 que partiram e o segundo classificado (José Matias de Carvalho) gastou mais 13 minutos. Tentou bater o recorde mundial da meia hora, mas não conseguiu ao atingir 8.829 metros, que se manteve como recorde nacional até 1929 (José Peixoto, 2013).
Francisco Lázaro teve uma carreira curta de atleta, mas mesmo assim, conseguiu três títulos nacionais na prova da Maratona, precisamente nos primeiros anos que ela oficialmente teve lugar, tendo também conquistado um título nacional de corta-mato. Dominou ainda várias corridas de distâncias mais curtas.
Foi um corredor de fundo de grande popularidade e por proposta do associado Alfredo Torres do Clube Futebol Benfica, na 1ª Assembleia Geral foi aprovada por aclamação o nome de Francisco Lázaro ao Campo de Futebol do Clube.
O Clube de Futebol Benfica (popularizado como Fófó), fundado em 23 de Março de 1933, tem no seu campo de Futebol Benfica o nome de Francisco Lázaro e está situado na rua Olivério Serpa, nº 9 em Benfica na cidade de Lisboa. Recebeu no passado dia 9 de Julho do transacto ano o XI Memorial Francisco Lázaro, numa organização da Junta de Freguesia e Clube de Futebol Benfica, com partida e chegada no relvado daquela instalação desportiva, numa homenagem ao grande maratonista português.
No dia anterior à prova, os concorrentes da Maratona Olímpica (Revista Spiridon, nº 30 de 1983) foram chamados a uma inspecção médica, tendo esta rejeitado alguns atletas, mas Lázaro passou com a nota de “bom”, já com a idade de 21 anos. Para António Fernandes (2010), em 1912 foi introduzida a prática das inspecções médicas na véspera da Maratona. Aconselhamos a leitura do seu livro “Cem Anos de Maratona em Portugal” da Editora Xistarca.
Almoçou pelas 10 horas no dia 14 de Julho de 1912, um Domingo. O tiro de partida era para ser dado às 11:30 horas, mas a corrida não começou à hora prevista por causa do muito calor (32º), tendo a prova sido sucessivamente adiada. Os seus colegas contaram que estava com muita confiança na prova. Um automóvel levou o atleta para o Estádio, dirigindo-se para o balneário e Armando Cortesão (Atletismo) e Fernando Correia (Esgrima) viram-no a besuntar-se com sebo, mas já não houve tempo para tomar banho.
A prova de 40,200 quilómetros começou às 13:48 horas com 98 inscritos, mas 30 não compareceram à partida, portanto 68 participantes, de 19 Missões Olímpicas, partiram debaixo de um forte calor que continuava com 32 graus à sombra na presença de um estádio esgotado com a assistência de 22.000 espectadores. Completaram 34 atletas e desistiram 34, de 11 Missões Olímpicas.
A partida do Estádio com o formato que tem hoje com 400 metros de perímetro surgiu pela primeira vez neste Jogos. Após efectuarem o percurso de cerca de 350 metros na pista os atletas deixaram o Estádio e dirigiram-se a Stocksund (5 Km) no primeiro posto de controlo. Depois em direcção a Tureberg, segundo posto de controlo (15 Km) e daqui para a viragem do retorno perto da Igreja de Sollentuna, cerca de 20 quilómetros a Norte de Estocolmo onde invertiam o sentido da corrida com regresso ao Estádio. Ao longo do percurso de ida e volta, cerca de 100 mil espectadores assistiram à corrida.
Lázaro partiu bem procurando não perder demasiado tempo para, na parte final da corrida tentar recuperar. Contudo somente esteve na frente à saída do Estádio para depois correr mais lentamente a sua prova, tendo recuperado espectacularmente. A partir do 15º quilómetro, era 27º, com atraso de quatro minutos do atleta que ia na frente. Ao 25º quilómetro seguia de muito perto os atletas da frente. Terá dito nessa altura que estava bem, apenas com sede, tendo bebido água que lhe foi dada.
No relatório oficial da prova do Comité Olímpico Sueco não consta o seu nome entre os quinze primeiros e ao 25º quilómetro não figurava até ao 19º lugar que passou oito minutos e onze segundos depois do atleta Gitsham que então ia em primeiro lugar (Carlos Cardoso, 2001).
Mas, ao 29º quilómetro cambaleou e caiu várias vezes inanimado e levantando-se para continuar a prova até cair de vez na colina Ofver-Jarva (Pedro Nolasco, 1985). Um médico prestou-lhe assistência com a aplicação de gelo em plena estrada, tendo sido transportado para o posto médico de Silfverdal e face à gravidade do seu estado de saúde, foi transferido para o Royal Seraplin Hospital que, segundo José Peixoto (2013) chegou às 17:30 horas com uma temperatura de 41,2º, sofrendo de um ataque intenso de convulsões em todo o corpo, cãibras e em estado de delírio. Morreu às 6:20 horas da manhã do dia seguinte.
A Maratona teve como vencedor Kennedy Kane McArthur (África do Sul) de origem irlandesa fazendo o tempo de 2:36:54,8 horas e com 200 metros de avanço sobre o segundo, Christian W. Gitsham, também da África do Sul com o tempo de 2:37:52,0 horas e em terceiro ficou o atleta dos Estados Unidos da América, Gaston Strobino com 2:38:42,4 horas. O tempo do último classificado foi de 3:36:33 horas.
Segundo Pedro Nolasco (1985) Kennedy Kane McArthur recebeu das mãos do Rei Gustavo V o troféu destinado ao primeiro classificado. O troféu desta prova representava o soldado da Maratona (Filípides) a expirar no terreno no termo da sua corrida em Atenas.
Há uma rua em Lisboa com o nome do atleta que fica situada entre a rua dos Anjos e rua de Santa Bárbara aparecendo nos azulejos o número 5 no dorsal. Também em Sobral de Monte Agraço existe uma rua com o seu nome, assim como em S. Domingos de Rana em Cascais.
Já em 1924 a Câmara Municipal de Lisboa tinha dado o seu nome à antiga Travessa do Borralho em Benfica através do Edital Municipal de 9 de Dezembro desse ano, com a seguinte legenda: “Pedestrianista Falecido em Estocolmo em 1912”. Há também uma placa em memória do português na cidade de Estocolmo. Segundo Rui Frias (2013) menciona o seguinte: "Foi inaugurada uma placa de homenagem no Estádio Olímpico, na porta da maratona. Trata-se da arena desportiva mais antiga do mundo ainda em atividade e é multifuncional”.
Já se falou na possibilidade de inaugurar um marco no local onde Lázaro tombou. Há também uma placa em alto-relevo que foi oferecida pelo grupo de sessenta maratonistas portugueses que no ano de 2012 correram a maratona e deixaram a mesma no Museu Olímpico em Lausanne na Suíça.
Lázaro tinha casado (Gustavo Pires, 2012), pouco antes de embarcar para Estocolmo. Deixou Sofia, uma mulher viúva, grávida de cinco meses de uma filha à qual foi dado o nome de Francisca em homenagem ao pai falecido, tal como menciona Tiago Palma (2016).
Na Suécia foi realizado um festival desportivo para angariar fundos para a filha de Lázaro que só nasceu quatro meses após a morte de seu pai. Vinte e três mil suecos contribuíram com 14.040 coroas, o equivalente a 3.500$00 na época, que, nos dias de hoje seria o equivalente de 17,46 euros, que Lázaro ganharia em vinte anos na fábrica do Bairro Alto.
Pierre de Coubertin enviou condolências à família Lázaro. O Comité Olímpico Português teve dificuldades financeiras para transladar o cadáver para Portugal, que só viria a acontecer decorridos mais de dois meses após a morte do atleta.
Foi a primeira vítima mortal dos Jogos Olímpicos da Era Moderna e o seu corpo chegou a Lisboa ao Cais das Colunas, a bordo do navio Vendsysset, no dia 23 de Setembro passados 70 dias após a sua morte e esteve em câmara ardente no Arsenal da Marinha sendo sepultado no dia seguinte, após uma manifestação de pesar e de homenagem ao atleta pelas ruas de Lisboa, durante quatro horas, para percorrer cerca de nove quilómetros desde o Terreiro do Paço até ao cemitério de Benfica, de quem queria vencer o ouro e acabou por morrer.
Disse à esposa no dia 26 de Junho de 1912, antes de partir para Estocolmo “ou ganho ou morro” e Rui Frias (2013) argumentou: “Não ganho, mas também não morro. Sou para sempre”. Segundo Sequeira Andrade (1984) a recolha de dádivas em Lisboa, com vista ao funeral, fez-se no primeiro andar do nº 39 da Travessa de S. Domingos.
Os seus restos mortais repousam no jazigo nº 89 na rua 3 do Cemitério de Benfica. Foi erigido pelas Colectividades Desportivas Nacionais, estando escrito o seguinte: “A Francisco Lázaro Campeão Português falecido em Stockolmo em 15 de Julho de 1912, quando disputava a Maratona da V Olimpíada”."
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