"Em 1965, Eusébio conquistou a Bola de Ouro, troféu instituído pela France Football para distinguir o melhor futebolista europeu. O prémio foi-lhe entregue no ano seguinte por Dennis Law, seu antecessor e adversário nesse dia.
O tempo das idas à mercearia para fazer compras à Dona Elisa, o do pontapé a meio caminho na bola de trapos, o da baliza feita de pedras e caniços, o do Carlitos, do Mandala e do Orlando, o do Senhor Chico das cautelas: todo esse tempo da sua infância em Moçambique era já, docemente, uma coisa rupestre.
Agora Eusébio era o melhor da Europa. Para muitos, até, o melhor do mundo.
Habituado a vencer, chegou naquela noite ao Estádio da Luz para dar a volta a uma derrota por 2-3 sofrida em Manchester, em jogo da Taça das Clubes Campeões Europeus. Mais do que isso, era uma noite muita sua, de aclamação e reconhecimento muito especiais. À espera dele tinha Max Urbini - chefe de redacção da prestigiada revista France Football -, a estrela mor do United, Denis Law, e 75 mil almas a cobrir totalmente as bancadas e a fazerem soar uma orquestra de buzinas, rocas, gaitas e chocalhos ensurdecedores.
Entrou de branco para se distinguir do encarnado que, naquela noite agridoce, seria de Law e companhia. Tinha 24 anos. A Bola de Ouro, arrancada precisamente por Law no ano anterior, era agora sua. Finalmente, sua! E se o checoslovaco Masopust não existisse em 1962, seria a segunda. Mas agora nem os magníficos Giacinto Facchetti ou Luís Suarez, recém-campeões europeus pelo Inter de Milão, à custa dele e de um mar de sorte, conseguiriam interpor-se.
Habituado a elogiá-lo no magazine gaulês, Max Urbini guardou a caneta e o papel para mais tarde. Era hora de se juntar a Law no relvado, para depositarem nas mãos de Eusébio um sonho dourado, capaz de tentar os irmãos Metralha ou os Argonautas. Pela primeira vez, um jogador português obtinha o máximo reconhecimento internacional. E estava ainda por escrever grande parte da fábula. A começar pela façanha dos 'Magriços' em Inglaterra, daí a uns meses, com ele imparável e soberano. No fim da festa, veio o jogo. Mas a noite seria pequena, dramaticamente incapaz de rimar com a sua grandeza. George Best (2), Herd, Connelly e Bobby Charlton pareciam ter bolas a nascer-lhe dos pés. Eusébio ficou estupefacto a vê-las entrar.
Cinco! Cinco a um! E nem mesmo o ponto de honra teve digna assinatura: Dunne, na própria baliza, que no final gracejou: 'Como fui eu quem meteu a bola do Benfica, espero ter direito aos prémios que os jornais anunciaram... Se calhar, esses senhores anunciantes estavam a pensar no Eusébio, não?'
Ganhar e perder fazia parte. E, nisso, Eusébio era igualmente maior, tendo reconhecido como superior a exibição dos ingleses.
No dia seguinte, a Bola de Ouro iria para Charlton. Eusébio em segundo, apenas a um ponto! Mas se em 1962 houvera, de facto, um Masopust inquestionável, agora, mais do que Charlton, havia impensavelmente um homem da caneta: Couto e Santos. O jornalista português do Mundo Desportivo faria a diferença no referendo, entregando a Inglaterra o ouro português. Eusébio teve pena. Eusébio teve mesmo muita pena. Portugal, também."
Luís Lapão, in Mística
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!