"Considerado na história do futebol o melhor guarda-redes de sempre, o soviético Lev Yashin selou com Eusébio uma amizade imortal.
Ali, naquele único pedaço do campo onde a relva não crescia, o mundo era dele. Tinha dois braços que pareciam quatro. Uma silhueta assustadora. Era um colosso. Um aracnídeo gigante que tecia uma teia inviolável, possuindo um poder capaz de fazê-lo vaguear às cegas entre buzinas de automóveis e campainhas de eléctricos. No seu reduto, não houve igual.
Incomparável a desfazer golos feitos. Penáltis, esses, foram mais de 100. Um houve, especial, que lhe fintou a estatística. Do outro lado estava uma besta, como um dia o classificou o jornalista espanhol Ramón Melcón; uma criatura que transportava em corrida a tal doutrina dos golos feitos; que 'corria como só pode correr alguém que foge da polícia ou da miséria' - assim o pintou o escritor uruguaio Eduardo Galeano.
O aracnídeo gigante pôs-se em guarda, pronto a encarar friamente a besta e a desfazer-lhe sem cerimónias o proveito e a fama. No cartão de identidade tinha o maior dos nomes: Lev Ivanovich. Mais simplesmente: Yashin.
A bestial criatura colocou o esférico no umbigo da área. Deu meia volta e afastou-se uma dúzia de metros. Ali ficou, por instantes, a medir o alvo, como fazem os touros.
Dezoito anos mais cedo, Lev era apenas Levezinho: recta a figura, mãos sonhadoras, bálsamo no cabelo. O Dínamo de Moscovo acabava de recrutá-la. Durante uns tempos, seguiu do banco as mãos graduadas de Alexei Khomich, o 'Tigre', general das redes no clube moscovita e na selecção soviética. Nessa era, a criatura que 'corria como só pode correr alguém que foge à polícia ou à miséria' era ainda um menino a pontapear, descalço, uma trapeira na Mafalala. Uns anos mais tarde, aterraria em Lisboa, já senhor de uns sapatos, mas descalço na modéstia que o seguiria a vida inteira.
'Remata com os dois pés?' - perguntam-lhe, à chegada. Responde que 'sim, mais ou menos...'.
Por essa altura, havia já em Moscovo e na Europa do futebol o aracnídeo gigante. Havia já Yashin: quatro títulos no Campeonato Nacional e três na Taça da URSS; um título olímpico (1956) e outro europeu (1960) ao serviço da sua selecção. A 28 de Julho de 1966, naquele jogo em que se definia em Londres o terceiro lugar no Campeonato do Mundo, entre Portugal e a União Soviética, somava já novos títulos e a única Bola de Ouro (1963) atribuída até hoje a um guarda-redes.
Mas também o menino, por essa altura, era já um senhor. Era já Eusébio: igualmente Bola de Ouro (1965), campeão europeu de clubes (1962), cinco vezes vencedor do Campeonato Nacional e três da Taça de Portugal, ao que somava ainda duas Bolas de Prata - eis a besta que parte para a bola na arena de Wembley.
Atira forte e colocado ao ângulo.
Estira-se o 'Aranha Negra', com todos os membros, mas não lhe chega. Acercam-se ambos um do outro. Para além dos bichos, estão os homens. Cumprimentam-se como irmãos, Filhos perfeitos do fair play e da humildade."
Luís Lapão, in Mística
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