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quarta-feira, 31 de julho de 2013

"O Museu é uma obra de todos"

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- Desde muito cedo que o ouvi considerar que montar um grande Museu do Benfica era, para si, uma verdadeira obrigação. Mas, afinal, não foi uma obra tão simples nem tão rápida de realizar...
- Não era uma obrigação, era um dever. Para quem tem o património histórico que o Benfica tem, é evidente que um Museu moderno, inovador e dinâmico era uma necessidade. Não por uma questão de 'fechar' a história entre quatro paredes, mas, sim, para que essa história inspire o nosso futuro. A história é o chão onde se encontram as nossas raízes, foram elas que nos deram vida. Se não cuidarmos desse chão, o nosso futuro estará comprometido. É por isso que este Museu representa tanto para todos nós. Também devo dizer que o Museu Cosme Damião é uma obra de todos os benfiquistas, e aqui há uma palavra que quero deixar a todos quantos me acompanharam desde que entrei no Benfica, desde o meu presidente Manuel Vilarinho até ao mais anónimo dos trabalhadores que nos últimos três anos estiveram envolvidos nesta obra fantástica. Desde o Alcino António até toda a equipa liderada de forma incansável pelo António Ferreira, a todos devemos o que a partir de hoje vamos poder ver...
- Não foi uma obra fácil...
- É verdade que não foi uma obra fácil, porque, na verdade, o estado em que o Benfica se encontrava quando assumimos a Direcção do Clube era assustador, e as prioridades dos primeiros anos não passavam, evidentemente, pelo Museu. A verdade é que, à medida que íamos conseguindo reerguer o Benfica, ficava claro que o Museu era uma obra tão estruturante como qualquer uma das outras que já conseguimos pôr de pé. O nosso ADN está aqui, os nossos alicerces estão aqui! Gostaria muito que o meu pai estivesse aqui para testemunhar este momento, ficaria feliz pelo obra, e eu ficaria feliz por tê-lo ao pé de mim.
- Criar de raiz este impressionante Museu Benfica Cosme Damião obrigou, então, a montante, a todo esse conjunto de ajustamentos estruturais e operações prévias que não estavam 'no programa'...
- A partir do momento em que tivemos condições de começar a pensar e a estruturar a ideia do Museu, houve todo um trabalho invisível de recuperação física de todo o nosso património documental, histórico, dos troféus que estiveram abandonados durante anos e que se encontravam em muito mau estado. Foi assim que nasceu o Centro de Documentação e o Departamento de Reserva, Conservação e Restauro. As bases do Museu Cosme Damião estão aqui, com a colaboração de jovens estudantes universitários de todo o Mundo que encontraram no Benfica um projecto completamente novo e suficientemente desafiador para os cativar. Foram eles que recuperaram de forma exemplar documentos fundadores, taças históricas, enfim, um património que estava fisicamente comprometido.
- Foi um trabalho de paciência
- Foi um trabalho paciente, pensado, minucioso. Houve também pessoas da nossa estrutura profissional a visitar alguns dos museus que eram, até aqui, considerados museus de referência a nível de clubes. Portanto, houve um grande planeamento em tudo o que foi feito, e tenho a certeza de que, a partir de hoje, o Museu Cosme Damião vai ser um dos melhores museus de clube de todo o mundo, e isso é algo que nos deve deixar orgulhosos.
- Nos domínios desportivos, a relação do Benfica com as universidades e centros do conhecimento já era uma constante praticamente ao longo da sua gestão. Para a estruturação do Museu, os nossos interlocutores e os departamentos científicos são agora outros...
- Era uma necessidade. No estado em que se encontravam alguns documentos da nossa fundação, troféus que estavam abandonados e que precisavam de ser recuperados, isso não se faz apenas com vontade, faz-se, como diz, com conhecimento, e foi precisamente às universidades especializadas e que se mostraram disponíveis a trabalhar connosco que fomos buscar esse conhecimento. Houve a participação de profissionais habilitados e de estudantes universitários, com programas de estágios nacionais e internacionais, numa estratégia que inclui a parceria com muitas empresas e protocolos com várias universidades.
- E também parceiros da sociedade civil, claro!
- Também não deixa de ser verdade que procurámos, e conseguimos, envolver muitos parceiros da sociedade civil cujo contributo serviu para melhorar a oferta cultural e histórica do Museu. Nesta colaboração mais alargada que permitiu hoje poder abrir um Museu que será um referência nacional e internacional.
- Julgo que foi um escritor inglês da primeira metade do século passado que disse que 'Quem controla o passado dirige o futuro. Da mesma forma que quem dirige o futuro conquista muito mais do que o passado.' Na sua opinião, o Museu Cosme Damião será, nesse caso, muito mais do que uma mera fonte de receitas...
- A ideia do nome do próprio Museu - Cosme Damião - remete precisamente para a necessidade de cuidar do legado dos nossos fundadores, não como arquivo morto, mas, como já disse atrás, como património inspirador que oriente e balize a acção do todos nós no presente e no futuro. Os que vieram atrás de nós merecem isso, e os que virão a seguir também. Fazer da história apenas um capítulo morto é um desperdício e um perigo. Portanto, o Museu Cosme Damião nunca foi pensado como um 'fonte de receitas«, mas, sim, como mais um projecto estruturante do Benfica do século XXI.
- Não pensaram apenas na história do Clube?
- A história do Benfica, apesar de haver pessoas que ainda não o entenderam, cruza-se com a história de Lisboa e de Portugal. Aliás este Museu faz essa articulação na perfeição. A nossa história atravessou a ditadura de Salazar, o fado da Amália, a Revolução dos Cravos, enfim, são 108 anos de história, e tudo isso está reflectido no trabalho que foi produzido. É precisamente esse património e esse legado que queremos mostrar, porque ele representa a nossa identidade, os nossos valores, a universalidade do Clube. A visão daqueles que na Farmácia Franco iniciaram a nossa história está bem reflectida no Museu.
- Não é estranho que nem o Primeiro-Ministro nem o Presidente da República estejam presentes naquela que é a inauguração de um espaço cultural - mais do que desportivo - para o País?
- Não sei se é estranho, só posso dizer que o lamento, porque acho que a inauguração deste equipamento cultural (e não desportivo) merecia a presença dos dois representantes do Estado português. Como lamento, igualmente, que o Benfica tenha ido a uma Final europeia no passado mês de Maio e nem Primeiro-Ministro, nem Presidente tenham estado presentes. Deve ter sido a primeira vez na história em Portugal que tal sucedeu, mas não me cabe a mim fazer juízos de valor, mas é evidente que o lamento. Recebemos sempre bem quem nos visita e apenas podemos estranhar estas ausências em dois momentos tão significativos da vida do maior Clube português.
- Tratando-se de um desígnio seu, e de um 'modelo estratégico' para o 'edifício estrutural' do Clube e do seu grupo empresarial, foi acompanhando pessoalmente e sempre de perto os trabalhos da equipa de especialistas internos e externos, nacionais e estrangeiros, que reuniu para o projecto. Houve muitas decisões difíceis de tomar porque representavam despesas incomportáveis, ou porque tinham alcance para além da própria 'ideia' circunscrita ao Museu?
- Em primeiro lugar, quero fazer uma correcção. O Museu nunca foi um 'desígnio meu', mas, sim, do Benfica e dos benfiquistas, e a obra que está aqui deve-se a todo o trabalho desenvolvido durante os últimos 13 anos pelas Direcções que presidi, mas também pela Direcção presidida pelo presidente Manuel Vilarinho. Já tive oportunidade de dizer atrás que, quando alguém entra no hospital quase a morrer, a nossa prioridade é salvar-lhe a vida, e só depois temos condições de trabalhar no sentido de evitar que aquela situação venha a repetir-se no futuro. Foi exactamente isso que aconteceu no Benfica: primeiro foi necessário 'salvar' o Benfica, e só depois dar-lhe ferramentas que evitem que mais alguma vez possamos chegar àquela situação. Creio que o Museu vai servir como garantia e salvaguarda do Clube. Muito do investimento que foi feito foi associado a permutas e, portanto, desse ponto de vista, temos um investimento que foi controlado do lado dos custos. A maior dificuldade foi mesmo o trabalho que foi necessário fazer para salvar uma grande parte do nosso património histórico.
- Com a vastidão do nosso espólio de troféus e peças de toda a natureza, certamente que muitos e muitos outros ícones não tomaram lugar nesta formidável colecção de abertura. E, mesmo assim, julgo que para já é impossível ver tudo o que está exposto nos quase 4000m2 do Museu numa única visita. Como é que os Sócios e Adeptos podem vir a conhecer tudo quanto ainda lá não pode estar agora? Com exposições temporárias?
- Há um parte do Museu que está precisamente preparada para exposições temporárias. Aliás, a ideia desse projecto é que ele seja um espaço aberto, dinâmico, que responda às expectativas de quem nos visita, que em algumas partes, mas não no seu bloco principal, possa mudar, que seja um espaço aberto à cultura onde se possam integrar também exposições que podem não ter que ver com o Benfica, mas que vão encontrar no nosso Museu em espaço de afirmação. É assim que penso no Museu Cosme Damião, e acho que ele - Cosme Damião - gostaria que assim fosse.
- Na sua opinião, e de acordo com o conhecimento que tem da colecção exposta e do sentimento dos nosso adeptos, quais acha que virão a ser as salas, os ícones, ou os momentos mais celebrados pelos visitantes?
- Sinceramente, é difícil de dizer. De cada vez que lá entro, não consigo evitar emocionar-me. Tenho a certeza de que os nossos adeptos, mas também os portugueses que não sejam benfiquistas e todos os turistas estrangeiros que nos vão visitar, vão ficar impressionados com o que vão ver, com a dinâmica que o Museu transmite. Creio que seria injusto da minha parte, no dia em que abre o Museu, destacar um local em particular.
- A nove meses da final da Champions League, no Estádio da Luz, este mês de Julho de 2013 vai ficar marcado para sempre como um dos períodos mais impressivos da história do Glorioso e, até, da linha do tempo do Desporto em Portugal. Mesmo quem sabe?, na Europa e no Mundo. Aos mesmo tempo, por sua iniciativa e em menos de 30 dias, avançou com duas medidas verdadeiramente espectaculares e de indesmentível impacto histórico, que transcendem o universo benfiquista: primeiro, foi o lançamento da 'segunda vida' da Benfica TV; e hoje, a inauguração desta casa da memória. Impressionado com esta sua capacidade de inovação e de realização, o que é que se segue, agora, no seu espírito, como próximos desígnios do Benfica?
- O Benfica é um projecto que nunca se completa, e desse ponto de vista tenho a certeza de que daqui a 20 anos ainda estaremos a lançar novos projectos e a abraçar novos desafios, mas há um alerta que eu quero fazer a todos os benfiquistas: todos estes projectos dependem fundamentalmente de uma coisa - do envolvimento dos Sócios e dos adeptos. A Benfica TV, por exemplo, é um projecto único a nível mundial, e os números que temos do nosso primeiro mês, como diz, da sua segunda vida confirmam e ratificam a decisão tomada, mas temos de ter consciência de que temos de continuar a crescer. O Museu Cosme Damião também só faz sentido se for para ser vivido pelos benfiquistas, se for um local a ser visitado. O Museu tem de passar a ser um templo para todos os benfiquistas. É isso que eu peço, o envolvimento de todos nestes projectos. Só assim é que faz sentido.
- Mas estes não são os dois únicos projectos que o estimulam de momento?
- Não escondo que, num curto espaço de tempo, gostaria de ver concretizados dois outros projectos: um Centro de Apoio às velhas glórias do Benfica que por circunstâncias da vida precisem desse apoio. A vida muitas vezes prega-nos partidas inesperadas e todos aqueles que escreveram a história deste Clube merecem ser apoiados quando essa necessidade surgir. Quero poder implementar este equipamento no Seixal, bem como gostaria de ver na cidade de Lisboa em espaço dedicado à figura de Eusébio. É evidente que ele é um referência do Benfica, mas é um referência de Portugal e da cidade que o adoptou, portanto espero que ainda em vida Eusébio da Silva Ferreira possa inaugurar um espaço permanente na cidade de Lisboa que evoque o seu exemplo e o seu talento."

Entrevista a Luís Filipe Vieira, por José Nuno Martins, in O Benfica 

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