"Foi há precisamente 200 anos (1822) que D. Pedro, entre a espada e a parede, nas margens de um riacho paulista, proclamou o grito de “independência ou morte” que estabeleceu a libertação do Brasil, mais tarde imortalizado como “Grito do Ipiranga” numa tela a óleo cujo título acabou por se converter em “passe partout” linguístico.
O líder da FEMACOSA, cuja ligação ao reino da Federação também já teve melhores dias e estava encostado na parede, é bem menos dado a posições extremistas do que o príncipe trânsfuga, mas como diz o povo a ocasião faz o malandro. E como a seleção precisava de um “grito do Catar” que libertasse de vez, das amarras do futebolisticamente correto, o génio dos seus jogadores para a malandrice!
Por seis vezes o grito ecoou à distância do Rei “traído”, Sua majestade Cristiano Ronaldo. Mas já não o seu “Siiiiii” mundialmente famoso a sonorizar o salto com meia pirueta conhecido como “estou aqui”, sozinho como Narciso, à frente dos espelhos de todos os fotógrafos do mundo.
Desta vez, ouviu-se um coro bem ensaiado de “Nóóóóóós”, que o líder já anunciara, antes do primeiro jogo desta campanha, ser "a única palavra escrita no balneário” - uma retórica a que os cépticos não reconheceram importância.
Mas foi realmente o que se sentiu por cada proeza do mundialmente desconhecido Gonçalo Ramos e dos seus patronos, transformando o ícone mediático em nada mais que um “wally” anónimo no cacho dos festejos dos golos de Portugal, poucos minutos depois do momento chocante em que todas as câmaras do Catar viraram costas à seleção perfilada, para gravarem o insólito quadro do protagonista sentado à margem do palco - tal como o pintor brasileiro imortalizara a cena da fundação do Brasil.
“Onde está Cristiano Ronaldo?”, perguntámo-nos, surpreendidos por uma sequência de festejos de golo em que ele não era a personagem central, nem orquestrava a coreografia.
Julgamos conhecer as pessoas, mas, à mínima distracção, elas deixam-nos sem palavras com decisões que considerávamos impossíveis. É neste estado catártico que me encontro há horas, tentando entender o que se passou no quartel-general da FEMACOSA antes do jogo com a Suíça.
Até um treinador a quem anos e anos de decisões timoratas e controversas tinham moldado um perfil de ganhador sem saber como, na realidade, pode um dia abusar da sorte e fazer o seu “all in” de afirmação, surgindo à porta da história como um novo D. Pedro em revolta contra o poder dos Reis do futebol português.
Quem mais se vai atrever a sugerir de novo que as suas decisões são meras formalidades pelos interesses do Principe Regente Jorge Mendes e da sua Corte de “yesmen” bem instalados?
A vitória sobre a Suíça foi apenas um primeiro passo revolucionário, a precisar de confirmação, mas faz sonhar com uma nova seleção, livre, criativa, fecunda e inspiradora que, no fundo, todos sabíamos que existia por dentro daquela prisão mental que a bloqueava pelo medo de ser feliz.
Parece que no final, ainda houve um último estertor de individualismo do capitão fantástico, uma tentativa de roubar o foco no regresso ao balneário, à parte do grupo de "Nós" em festa, mas nessa altura já era inapagável o brilho intenso desta geração de diamantes encrustrados nas jóias douradas da geração anterior.
Foi apenas uma revolução, não está tudo bem, não somos campeões do Mundo.
A dignidade da independência é um caminho das pedras interminável que é preciso calcorrear com a mesma determinação e coragem com que os antepassados de Gonçalo Ramos conquistaram os Algarves à ameaça marroquina em batalhas bem mais encarniçadas do que a rendição das tropas em Pernambuco, esburacadas como queijo suíço.
Mas nunca será apenas sorte.
Nem mera gestão de orientações alheias.
Quanto muito, uma epifania transcendental de quem acredita em forças e desígnios superiores.
Seja o que for, obrigado.
“Siiiiii”!"
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!