"Apesar das violações de direitos humanos que subsistem no Catar, muito mudou na última década. Vale a pena avaliar porquê.
No sábado passado, durante uma viagem ao Catar só indiretamente relacionada com futebol, encontrei três portuguesas numa esplanada no "Souq Waqif", o histórico mercado da capital. Assim que me identifiquei como jornalista mostraram-se revoltadas com a forma como temos retratado aquele emirado árabe. Enquanto conversávamos demoradamente, percorremos temas como a exploração laboral, a homossexualidade e os direitos das mulheres. É impossível negar os problemas de direitos humanos e laborais existentes no Catar, mas o que ouvi e experienciei no país lançou-me uma perspetiva diferente: o Mundial terá contribuído para um maior escrutínio e para a melhoria da legislação e direitos no trabalho.
Ontem, Pete Patisson, jornalista do jornal britânico "The Guardian", publicou um artigo que coincide na leitura das melhorias conquistadas, mas recentra o mérito onde ele deve estar: no papel da comunicação social relativamente aos abusos denunciados. Recuando a setembro de 2013, quando foi publicada a primeira reportagem sobre a morte de imigrantes envolvidos na construção dos estádios e outras infraestruturas para este Mundial, o jornalista evoca os contactos recebidos de entidades externas, incluindo da FIFA, e o caminho percorrido desde então. A conquista mais relevante foi a eliminação, pelo menos no papel, do abusivo sistema "kafala". Antes disso, o trabalhador estava completamente dependente do seu "sponsor", que lhe ficava com o passaporte e podia limitar-lhe qualquer movimento.
Como sublinha Patisson, a pressão cumulativa das reportagens feitas no Catar e das organizações de defesa dos direitos humanos permitiu uma mudança real. Fez a diferença. E esta é uma conclusão que merece atenção, sobretudo se quisermos pensar no que poderá ser aquele emirado uma vez terminada a atenção mediática proporcionada pelo Mundial. Serão as mudanças legislativas respeitadas? Irá manter-se a sensação de abertura e de mudança que é relatada por tantos residentes ocidentais?
Para que isso aconteça, será essencial que a comunicação social continue a marcar presença, ali como em tantos locais do mundo em que os direitos humanos são sistematicamente atropelados. Não havendo imprensa livre localmente, o olhar externo é essencial. Habituámo-nos tanto à facilidade de aceder a tudo, a discutir qualquer tema nas redes e a saltar de polémica em polémica à velocidade da luz, que por vezes já nos esquecemos do quanto a informação é valiosa. Onde não há debate e informação, não poderá haver divergência nem capacitação para a mudança.
Muito se tem discutido a posição a tomar perante o Mundial, quer do público, quer das próprias seleções. Há equipas que anunciam apoios financeiros a ONG. Quem esteja a pintar arco-íris nos estádios. Ou, em contrapartida, quem defenda que os jogadores devem evitar desrespeitar o país que os recebe. Será curioso percebermos como se irão posicionar futebolistas com um tremendo poder mediático. Mas, mais uma vez, a força de cada gesto estará na capacidade de contar, contextualizar e multiplicar a mensagem em causa. Esse é o papel essencial do jornalismo. Estará muito além do que se vai ver dentro de campo. E irá perdurar mesmo quando os estádios forem desmontados e soar o apito final do evento."
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