"O Benfica venceu (1-0) a equipa de Veríssimo e está nos oitavos-de-final da Taça. A expulsão de Geraldes por falta sobre Rafa, aos 47', simplificou a tarefa das águias, mas só a eficácia de Neres a aproveitar um erro do guardião rival resolveu a partida
O futebol não vive só de factos materiais e concretos, não habita apenas no mundo das coisas visíveis. Há toda uma dimensão de sensações e intuição, de metafísica e abstração, de coragens e receios que assentam não só no que se toca ou cheira, mas no que se sente.
De todas essas sensações que podem passar pela mente de quem está num campo — e que podem ser contagiadas para quem está ao lado —, uma das mais potentes é a da ameaça, da intimidação que agiganta uns e empequenece outros. Terá sido isso que voou, invisível mas presente, ao minuto 47 do Estoril - Benfica.
Nessa ocasião, aproveitando um lance de contra-ataque, David Neres lançou Rafa Silva no espaço. Os números e os últimos meses do português demonstram que talvez não haja visão mais aterradora para um rival que enfrente ás águias: ver Rafa correr rumo à baliza que defende com espaço. Na primeira parte, o supersónico atacante até já tinha desperdiçado uma situação do género, mas a tendência recente é de prestações letais do homem que parece correr mais rápido com bola do que sem ela.
Francisco Geraldes não é homem para ignorar esta dimensão metafísica do jogo. Jogador-poeta, a realidade do que se sente não lhe será alheia. Quando o médio viu Rafa a correr à sua frente, com mais nenhum homem vestido de amarelo entre o jogador do Benfica e a baliza, a ideia de ameaça que Rafa transmite terá invadido a mente de Geraldes, o futebolista-autor.
A ideia de perigo fez com que o centrocampista se atirasse ao chão, no limite, para tentar um improvável desarme que travasse a provável ida de Rafa para o golo. A velocidade do adversário tornou o esforço de Geraldes inglório, transformando-o em falta. Cartão vermelho e o Estoril reduzido a 10 no segundo minuto do segundo tempo.
A partir dali, o que já era a superioridade do Benfica tornou-se num embate de destino traçado, num countdown até ao momento em que a impotência do Estoril resultasse numa ação que decidisse o jogo. Foi aos 67', quando Dani Figueira saiu mal a um cruzamento e David Neres aproveitou. O 1-0 amplia a época perfeita de Roger Schmidt: líder da I Liga, nos oitavos da Champions como líder de grupo, nos oitavos da Taça, com 20 vitórias e quatro empates em 24 partidas disputadas, registo de invencibilidade que não sucedia desde 1977/78.
Desde 1946/47 que o Estoril não derrota o Benfica em casa, fazendo desse feito quase facto pré-histórico. Para tentar alterar o que se verificou na passada jornada da I Liga, Nélson Veríssimo, em novo encontro com a sua antiga casa, fez sete alterações ao seu onze.
Na equipa titular da equipa da linha havia muitos pares de pés com passagens pela formação de grandes (Francisco Geraldes, João Carvalho, Tiago Gouveia, Tiago Araújo, Pedro Álvaro, Mor Ndiaye…) e essa certificação técnica fez-se ver logo aos 11'. O Estoril sacudiu bem a pressão adversária para encontrar Tiago Gouveia em zona de remate, saindo o tiro do extremo por cima.
No entanto, essa ação foi a exceção num cenário geral de muitas dificuldades dos locais para se aproximarem de Vlachodimos. O Estoril até assumiu a saída de bola desde trás, tentando atrair o Benfica para soltar o perfume de João Carvalho e Geraldes, mas a ligação nunca saia limpa. Do outro lado, a equipa de Schmidt apresentava um futebol mais engasgado do que vem sendo normal, gerando isto um primeiro tempo algo bloqueado.
Ainda assim, os visitantes criaram ocasiões suficientes para irem para o intervalo na frente. Ver Grimaldo bater um livre em zona frontal ou Rafa Silva correr isolado rumo à baliza rival tem sido, em 2022/23, sinónimo de golo para o Benfica, mas o tiro do espanhol foi à barra e a finalização do português foi ao lado. Com António Silva e Musa também a ameaçarem o golo perto do descanso, a segunda parte chegou com um pouco vibrante nulo.
As equipas tinham acabado de voltar dos balneários quando se deu o tal derrube de Geraldes a Rafa . A partir daí, viu-se um monólogo do Benfica, que rodeava a área do Estoril, sem arriscar muito na posse, mas sem permitir que os locais se aproximassem de perigo de Vlachodimos, que assistiu a quase toda a partida sem ninguém por perto.
O grande domínio das águias não se traduziu numa avalanche de ocasiões, mas aos 67' chegou o momento de selar o triunfo. Figueira saiu mal a um cruzamento de João Mário, deixando a bola sem dono a voar na área.
David Neres parece jogar aplicando um certo tipo de máxima: ter muito impacto nas ações em que participa. O brasileiro não é o futebolista mais ligado ou regular, mas é homem com capacidade para mudar um marcador quando participa nos encontros dos quais, por vezes, desaparece. Apercebendo-se do erro de Figueira, fez uso do seu instinto para sacar uma finalização acrobática e colocar o Benfica nos oitavos-de-final da Taça.
Até final, Henrique Araújo esteve perto do golo, mas os visitantes ativaram o modo controlo. Gonçalo Esteves, outro dos formados nos grandes da nossa bola que procura um lugar ao sol no Estoril, foi o único a ameaçar Vlachodimos, ainda que de forma tímida. Os minutos finais corresponderam à ideia de monotonia feliz do Benfica de Roger Schmidt, tornando vitórias que no passado recente se poderiam complicar no cumprimento de aguardadas formalidades."
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