"Depois das eliminatórias em 1969 e 1972, para a Taça dos Campeões Europeus, o Benfica vence finalmente o Ajax em Amesterdão e qualifica-se para os quartos de final da Liga dos Campeões. Darwin Núñez resolveu o jogo aos 77', Otamendi foi o líder da resistência
O Benfica não sofreu golos contra um Ajax que marcou 119 em 38 jogos (39 agora). O plano passava por sofrer, esperar, morder o lábio quando o orgulho trincasse o coração. Vigilâncias redobradas, músculos preparados para cercos e piscinas em vão. Desvantagens númericas, frustrações. Na terra onde o futebol se deve jogar bem, só faltava estar na Constituição, as lições que tresandam a realidade também caem como a chuva. E os portugueses foram a Amesterdão, perante a rapaziada habilidosa que quer vergar o mundo inteiro, vencer pela primeira vez e garantir o bilhete para os quartos de final da Liga dos Campeões. Valeu a cabeça de Darwin, que fez o que os 9 fazem.
Nos tempos que correm, quando a primeira mão termina empatada é como se não existisse. O segundo jogo transforma-se assim numa espécie de derradeiro suspiro, na sobrevivência, na glória, no tudo ou nada. Não há memória. Foi assim neste Ajax-Benfica, na Johan Cruijff Arena, batizada depois da gloriosa e messiânica passagem por este planeta do seu filho mais famoso, o eterno número 14, que jogou e foi decisivo nas duas eliminatórias, em 1969 e 1972, que colocaram frente a frente estes dois emblemas importantes do futebol europeu.
Os lisboetas, fardados de preto, nem pareciam muito melindrados pelo ambiente e por aquelas camisolas que sussurram a história do futebol e mais algumas coisas. Mas cedo se percebeu que não era bem assim. A coragem, se existia antes, esfumou-se. As poucas tentativas de sair para o ataque viveram da capacidade do imponente Darwin Núñez dar trabalho ou superar Jurriën Timber e Lisandro Martínez (cresceu com bola com o crescimento da equipa), centrais que aboliram aqueles eternos clichés de que os defesas têm de chegar ao céu. Essa ligação com Darwin foi-se apagando e o Ajax engoliu o Benfica, roubando-lhe a bola. Já se sabe, como dizia Johan, “se tens a bola, o rival não a tem”. Isto é, quem controla aquela preciosidade tem os destinos do vento nos pés.
A equipa de Nélson Veríssimo parecia montada para sofrer. Gonçalo Ramos apenas vigiava o refinado e homem-cola que todos junta Edson Álvarez. Ryan Gravenberch – que belo espécime de futebolista – fugia do meio para a esquerda, arrastando Adel Taarabt (saíria ao intervalo por Soualiho Meïté), criando um triângulo perigoso com Daley Blind e Dusan Tadic, e assim sofria Gilberto, que acabaria com câimbras justificáveis. Sébastien Haller esperava os cruzamentos e raramente ia fazendo de pivô, não era necessário, o Ajax chegava à frente com facilidade. Houve duelos interessantes com os sólidos Jan Vertonghen e Nicolás Otamendi. Pela direita, Noussair Mazraoui, que se diz estar a caminho do Barcelona, deslocava-se muitas vezes para dentro para o passe vindo de trás entrar diretamente em Antony, pouco inspirado esta noite, apesar de ter superado algumas vezes Grimaldo. O brasileiro liga sempre os alarmes de quem o rodeia, principalmente quando tem a hipótese de 1x1 perto da área.
Os neerlandeses tinham aquele volume de jogo sedutor, ora tocando de um lado para o outro, ora tentando alguns cruzamentos e passes de ruptura. Mesmo com tanto volume do ataque líquido, Odisseas Vlachodimos raramente era testado. Haller marcou logo aos 7’, mas Tadic, o assistente, estava fora de jogo. Os minutos passavam e André Onana, o guarda-redes do Ajax, era quase mais um dos espectadores na arena, que suspirava como um vulcão à espera do que parecia inevitável. Berghuis, Timber, Antony, Gravenberch, Martínez iam todos tentando a sorte, sem sucesso. O abafo não surtiu efeito e o fantasma da Luz, que devolveu a alma e o orgulho aos benfiquistas na segunda parte, estava na esquina, à espreita.
A equipa de Erik ten Hag até entrou com a mesma pedalada, mas, com a caminhada do relógio, a velocidade, o fogo e aquela paciência para tocar de um lado para o outro, fazendo dançar a organização defensiva dos visitantes, iam perdendo potência. Havia menos rigor, menos fluidez, a tal bendita técnica das gentes da terra da laranja mecânica. Vertonghen, que também passou por aquela casa muitos anos, teve uma oportunidade clara, mas tentou colocar de cabeça para um colega encostar. Por esta altura, a meia hora do fim, o Ajax tinha 11 remates contra 3 do Benfica, sendo que a posse de bola superava os 60%.
Aos 71’, Veríssimo enviou um sinal lá para dentro: queria espremer algo daquela defesa que às vezes deixava clareiras. Roman Yaremchuk, um dos homens que marcou em Lisboa (2-2), entrou pelo discreto Everton, sendo Darwin puxado para a esquerda. A ideia seria provavelmente ter o uruguaio mais vezes de frente para a baliza rival, mesmo que ainda falhe timings e decisões. Teria mais espaço. Seis minutos depois, apesar de tantas teorias, foi uma bola parada que sentenciou uma eliminatória inteira. Gonçalo Ramos sofreu um toque de Álvarez e o árbitro apitou falta. Grimaldo bateu e Darwin, impondo-se a Onana e Timber, empurrou de cabeça para a baliza, 1-0. Foi a primeira vez que uma bola saiu na direção dos três postes do Ajax, uma equipa que vem apresentando uma quebra de rendimento nesta fase da temporada.
Em tempos, o mago Johan disse também que nunca tinha visto um saco de dinheiro marcar golos. É certo, muito certo, mas também é verdade que a contratação mais cara da história do Benfica acabava de desequilibrar uma eliminatória importantíssima na mais famosa competição de clubes do mundo, tanto para os cofres como para a reputação do clube português.
Os treinadores desataram num jogo de substituições. Ten Hag lançou Klaassen e o poderoso Brobby, por Álvarez e Berghuis, muito menos venenoso do que é habitual. Veríssimo colocou em campo Diogo Gonçalves e retirou o esgotado Darwin Núñez. O Ajax foi ficando impaciente, a bola já não lhes sorria como sempre faz. As botas daqueles rapazes já não a deixavam em pele de galinha. A frustração foi corroendo as entranhas dos neerlandeses. E o tempo foi rolando a favor dos portugueses, com Otamendi a ser o líder daquela épica resistência. Paulo Bernardo, que entrou pelo esforçado e competente Gonçalo Ramos (“estou bem, estou bem”, ainda avisou para o banco), e Valentino Lázaro entraram para fechar aquela venturosa viagem a Amesterdão.
Sete minutos de desconto.
O Ajax, embora tenha tido mais uma ou outra aproximação à área de Vlachodimos, nunca criou real perigo (acabaria com 69% de posse de bola, 503-180 em passes). Faltaram ideias para partir ao meio o bloco defensivo visitante, talvez os 38 cruzamentos para a área encarnada ajudem a explicar essa incapacidade criativa. O Benfica ia limpando o que podia, ganhando tempo aqui e ali, irritando os rivais, que pareciam estar afetados emocionalmente, quebrados. Ninguém ousou imaginar aquele desfecho aparentemente.
Naquela altura, quando a bola deixou de ser tocada com tino, os benfiquistas pareciam a equipa mais adulta, ainda que talhada para sofrer. Após roubo de bola, já muito perto do apito final, Yaremchuk galgou metros e metros, mas a baliza nunca mais se aproximava. Seria o 2-0, mas o ucraniano não teve pernas para mais. O esforço compensou: o Benfica venceu em Amesterdão pela primeira vez na história e conquistou um lugar nos quartos de final da Liga dos Campeões."
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