"Os meses de Março e Abril impuseram aos portugueses não só a necessidade imperiosa de manter distanciamento físico (que foi designado como sendo “social”) dos seus pares, bem como a permanência em contextos de maior resguardo (casa), como formas prioritárias de mitigar a propagação da pandemia covid-19.
De forma abrupta, também os nossos atletas viram a sua realidade quotidiana transformar-se por completo. Impedidos de manter as suas rotinas diárias de treino foram observando o cancelamento, um atrás de outro, de todo o tipo de provas (meetings, campeonatos da Europa, campeonatos do mundo, entre tantas outras), que veio a culminar com o adiamento dos próprios Jogos Olímpicos para o verão de 2021.
A percepção de ameaça e incerteza proveniente de um conjunto de informações, muitas vezes antagónicas, que foram surgindo em diversos canais, durante um período arrastado no tempo, amplificou a prevalência de fenómenos de natureza ansiogénica, com repercussão na qualidade do sono e na labilidade emocional (do optimismo exagerado ao pessimismo inflacionado) dos portugueses e, em boa verdade, os nossos atletas não foram excepção.
Relatos de atletas como Simon Biles ou Michael Phelps, retratando o imenso vazio emocional para onde os atletas olímpicos se poderiam ver projectados por, de repente, o seu objectivo competitivo, para o qual se prepararam durante os últimos três anos e meio e que estariam prestes a cumprir (no verão de 2020), passar a estar a 15 meses de distância, são um testemunho importantíssimo do “tsunami” que avassalou a vida dos atletas (e seus treinadores), mesmo considerando os que se encontravam ainda em busca de qualificação.
Uma paragem, sem “razão aparente”, é algo a que o cérebro não estava preparado para “aceitar” – um atleta pára quando se lesiona ou desiste da sua carreira e, até à data, dificilmente passaria pela cabeça de quem quer que fosse que este tipo de paragem (quase como se fosse uma espécie de “suspensão”) pudesse ocorrer. O cancelamento de campeonatos da Europa, do mundo e dos próprios Jogos Olímpicos foram, de igual forma, realidades incontornáveis que o seu cérebro não estaria preparado para considerar serem, sequer, “possíveis”.
Adaptação
Em desporto de alta competição distinguem-se os que, evidenciando níveis superiores de capacidade de sacrifício e de trabalho de longa duração, exibem de igual forma melhor capacidade de adaptação.
Centrar-se nos “Como?”, deixando de lado os “Porquê?”, acaba, sem margem para dúvidas, por ajudar os atletas a recentrar os seus esforços na única coisa que, de facto, controlam: o seu próprio comportamento, aqui manifesto por uma enorme determinação em criar novos objectivos, novas metas e, muito em particular, novas oportunidades que pudessem resultar desta circunstância inusitada que lhes impôs um isolamento autodeterminado, mas não escolhido.
Neste enquadramento, e após uma natural (e até saudável, na medida em que espelha a qualidade dos afectos dos nossos atletas) consternação inicial e, em alguns casos, dúvida e desânimo perante uma situação face à qual nada parecia poder-se fazer, foram surgindo a pouco e pouco um conjunto de testemunhos da sua capacidade em retirar partido da situação, ora refocando a sua atenção em elevar os seus níveis de preparação física, ou a melhorar “aquela” especificidade técnica à qual não se conseguiria dar atenção, se se encontrassem em “tour” competitiva ou, em muitas situações (e não menos importante), ao reforço dos laços familiares e sócio-afectivos, pilares fundamentais de uma capacidade de resiliência tão desejada como necessária e perfeitamente basilar para a sua (e nossa) saúde mental.
"Posso transformar-me pelas coisas que me acontecem, mas recuso-me ser reduzido(a) por elas." – Maya Angelou
Esta será, por certo, a principal mensagem que podemos retirar da generalidade dos atletas que, face à adversidade, se deram uma vez mais como “modelos” (partilhando connosco nas suas redes sociais o seu dia-a-dia) do comportamento a actuar face a adversidade.
Mas não é apenas aqui (e agora) que o Desporto transporta valores inequívocos que deveríamos saber importar para as salas de aula, de reuniões e até para as nossas salas de estar – compromisso, dedicação, cooperação, entreajuda, integrar a incerteza como certa, confiar em si próprio como o recurso primordial e tornar a adversidade em oportunidade são apenas exemplos, todos eles essenciais à nossa Sociedade.
Uma vez mais, por isso, inspiraram-nos pelo seu comportamento e determinação e não pelos seus resultados – e, este, será certamente o maior legado que podem deixar, a quem, como eles, atravessa este período inusitado da nossa história."
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