"Chamem-lhe diva, egoísta, mas não se esqueçam dos cinco títulos, da tenacidade de chumbo, da frieza na hora de decidir, da ética de trabalho, do talento, da magia. Kobe Bryant despediu-se do basquetebol em abril com uma exibição arrasadora e ainda estamos de luto.
Ponto prévio: nenhum de nós quer esquecer Kobe Bryant. Pelo contrário, o que queremos esquecer é que 2016 foi o último ano de Kobe Bryant e que 2017 será o primeiro ano sem Kobe Bryant. No fundo, tudo o que queremos é mitigar a nossa dor, encerrar o capítulo e seguir em frente.
Demasiado dramático? Não é, a sério.
Não é porque naquele grupo restrito de craques, e por craques leia-se jogadores que mudaram a NBA, Kobe só tem comparação com Michael Jordan. Se His Airness tornou a NBA global, Bryant segurou o testemunho e tratou-o com carinho, com aquele efeito que se viu não apenas no currículo - e Kobe ganhou muito, quase tanto quanto Jordan - mas também nas camisolas e ténis vendidos ou nos milhões de dólares cobrados nos contratos de transmissão televisiva.
Há os bons jogadores, os muito bons e aqueles pelos quais se fazem milhares de quilómetros e se paga uma batelada por um bilhete. Kobe, um dos raros que reuniu talento, trabalho e carisma, era um desses.
Estávamos em Novembro de 2015 quando soubemos o que não queríamos saber mas sabíamos ser inevitável: depois de várias temporadas onde passou mais tempo no ginásio do que em jogo, Kobe anunciou que 2015/16 seria a sua última época, depois de mais de duas épocas com o dourado e púrpura dos Los Angeles Lakers ao peito. Fê-lo da forma mais kobiana possível, ele que tinha um pouco daquela arroganciazinha que só os génios estão autorizados a ter. Kobe, então com 37 anos, pegou na caneta e escreveu um poema, publicado no site The Players Tribune. Uma carta de amor ao basquetebol que vale a pena ler (está AQUI).
A partir daquele momento soubemos que teríamos apenas mais alguns meses de Kobe, que pediu para não ser tratado de forma especial na sua derradeira temporada. Mas como não tratar de forma especial aquele talento, aquela capacidade de acertar o tiro mais difícil, na cara de dois, três, os que fossem precisos, ou depois de passar por dois, três, uma equipa inteira se fosse preciso? Como não lembrar os 81 pontos frente aos Toronto Raptors, em 2006, ou a quantidade absurda de lançamentos que decidiram jogos nos últimos segundos, o momento em que só não tremem os mais duros de roer, os mais corajosos e confiantes?
Por tudo isso, para lá até dos cinco anéis ganhos com os Lakers, a época 2015/16 tornou-se numa espécie de tournée de despedida de Kobe, com homenagens por todos os pavilhões da NBA, mesmo em terrenos onde o atirador era particularmente detestado, como no TD Garden de Boston ou na Sleep Train Arena de Sacramento. Os assobios e vaias foram substituídos por aplausos de pavilhões cheios de gente que não queria perder a última passagem de Kobe pela cidade.
E assim se passou a temporada, de pavilhão em pavilhão, de ovação em ovação até à despedida final, marcada para 13 de Abril, em pleno Staples Center. Já dissemos neste texto que Kobe tinha anunciado o adeus da forma mais kobiana possível. Mas a despedida, o último jogo, aquele que queríamos esquecer mas que vamos lembrar para sempre, foi Kobe no seu estado mais puro. Uma noite em que Bryant, a letal Mamba Negra, vingou-se das lesões (foram três operações entre 2013 e inícios de 2015), dos detratores, de três temporadas em que não conseguiu ajudar os Lakers a chegar aos playoffs.
Um final em Los Angeles e digno de Hollywood, em que um rapaz de 38 anos marcou 60 pontos, mais do que qualquer rapaz novo ou velho naquela temporada. Treze desses pontos foram marcados nos dois minutos finais, em que só ele e mais ninguém marcou, quando a sua equipa perdia por 10 frente aos Utah Jazz. Kobe resolveu e levou os Lakers à vitória como tantas vezes o fez em mais de 20 anos na NBA: sozinho, contra todos.
Naquela noite, todos nos reunimos para celebrar Kobe, mesmo aqueles que o viam como arrogante, uma diva egoísta, um companheiro de equipa difícil. Com o tempo, todos aprendemos a apreciar o que havia de bom nele, que era bem maior do que o resto: um competidor nato, um trabalhador incansável, um talento fora do comum.
Já temos saudades."
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