"Amigos, sportinguistas, compatriotas, Teresa, Teresa, Teresa.
Venho aqui não para me enterrar, mas para me elogiar. Dizem que elogio em boca própria é vitupério, pois vitupério seja. Mesmo que me enterre, Teresa, Teresa, Teresa, enterrarei-me (creio que é assim que se diz) a proferir essa palavra tão digna e amada pelo povo: “eu”.
As pessoas querem conhecer o processo de escolha do novo treinador. Vou contar tudo. Perguntam-me se o mister Silas foi a minha primeira escolha. Não foi, Teresa, não foi, e digo-lhe já porquê. Terá sido a segunda? Não, Teresa, a segunda escolha mister Silas não foi. A terceira escolha. O mister Silas foi a terceira escolha. E porquê? Foi a terceira escolha porque antes dele houve duas escolhas e, de acordo com a numeração ordinal, a seguir à primeira escolha vem a segunda e, só depois, a terceira. Será uma terceira escolha pior do que a primeira? Tenho as minhas dúvidas. Quem garante que a minha primeira escolha seria alguma coisa de jeito? A opção por uma terceira escolha é um ato de humildade. Só os arrogantes confiam cegamente nas suas primeiras escolhas. A minha história diz-me que é melhor confiar cegamente nas terceiras escolhas.
Lembram-se do que aconteceu no ano passado? Passo a lembrar aos mais esquecidos. Quando cheguei à presidência estava José Peseiro no banco e eu pensei logo “com este homem não vamos a lado nenhum.” Precisávamos de um treinador ambicioso, com provas dadas no futebol europeu e com uma ideia de jogo atrativa. Definido o perfil, sabem qual foi a minha primeira escolha? A Teresa sabe? Johann Cruyff, Cruyff, o homem que revolucionou o futebol, Teresa, um dos homens que inventou o futebol moderno, Teresa. Incumbi o meu director desportivo de fazer os contactos. Comprei-lhe os bilhetes para a Holanda, acompanhei-o ao aeroporto e, certa noite, já em Amesterdão, ele liga-me um pouco atrapalhado: “Presidente, tenho uma má notícia, o senhor Cruyff já morreu.” Percebe, Teresa? Nenhum curso nos prepara para estas surpresas, nenhuma comissão de serviço no Afeganistão nos dá estaleca para um imprevisto como este. Mas num clube com a grandeza do Sporting temos de estar preparados para tudo. Não desanimei e disse ao meu director desportivo: “olha, já que estás aí traz-me um treinador holandês que esteja vivo.” E foi assim que chegámos ao senhor Keizer.
Correu bem? Não. Correu assim-assim? Não. Correu mais ou menos? Não. Correu mal? Sei lá. Correu extraordinariamente bem? Claro que sim. E correu tão bem que ao fim da terceira jornada desta época tive de o despedir. Teresa, Teresa, Teresa, eu sou um homem muito desconfiado. Quando as coisas correm espetacularmente bem, desconfio. Disse para com os meus botões, “isto está a correr tão bem que daqui para a frente só pode correr mal.” E mandei o mister Keizer colher túlipas para a Frísia. Se eu tinha ideia de quem iria para o lugar dele? É claro que não tinha. Não tinha e não tenho, mas lembrei-me que a equipa da Liga Revelação estava tão bem que era preciso fazer alguma coisa antes que aquilo descambasse e fui lá buscar o treinador, um profundo conhecedor da casa, um treinador sem qualquer currículo, o homem que fez de Cristiano Ronaldo o que ele é hoje. Confiei-lhe uma missão e hoje posso dizer qual foi. Cheguei ao pé dele e disse-lhe: “Leonel, pá, só te peço que não percas todos os jogos.” E ele perdeu todos menos um, que empatou. Que mais poderia eu pedir ao homem?
Concluída a missão com sucesso, pensei em possíveis substitutos. Mas confesso que a primeira ideia é que era verdadeiramente arrojada, revolucionária, e era a seguinte: não ter treinador.
Teresa, Teresa, Teresa, uma vez contaram-me uma história. Na União Soviética, alguém teve a ideia de fazer uma orquestra sem maestro. Está a perceber? Estão a perceber, amigos? O maestro é um gajo com a mania. Fica ali de batuta na mão, armado em maluco e os outros que trabalhem. Parece que a ideia não vingou, mas eu sempre a achei fascinante. Um clube como o Sporting precisa é de um presidente, de preferência bem remunerado. Os treinadores só atrapalham e, além disso, não são eleitos democraticamente. Muitas vezes são escolhidos assim ao calhas, por um maluco qualquer. (Sei por experiência própria do que estou a falar).
E convenci-me da bondade da minha ideia quando o meu diretor desportivo me disse que podíamos fazer uma grande época só com um ponta-de-lança. “Nem inscrevemos o Pedro Mendes?”, perguntei-lhe eu timidamente. “O quê, meu? Estás maluco? Um puto da formação que marca golos? Deixa-te disso. O que está a dar são os avançados móveis”, disse-me ele. Quase chorei de alegria ao contemplar as possibilidades abertas pela solução radical de não ter treinador e de aguentar uma época inteira só com um ponta-de-lança. Como é que nunca ninguém se tinha lembrado disso? Fizemos uma pesquisa na Amazon e mandámos vir o Bolasie. Os outros dois foi por indicação do motor de busca: “frequentemente comprados juntos.” Para dar a táctica e discutir com os árbitros bastava o Bruno Fernandes. Como lhe tínhamos aumentado o salário pensei que ele não levaria a mal se lhe pedisse para orientar a equipa, distribuir as camisolas pelos companheiros antes dos jogos e falsificar cartas de condução.
O Bruno, que é uma joia de moço, aceitou logo, mas ao fim de dois dias mandou-me uma mensagem de voz pelo Whatsapp, a queixar-se dos colegas de equipa: “Há jogadores que não têm atitude, mano. Há jogadores que não querem estar aqui. Não querem estar aqui, não querem jogar… vão para a p*** que os pariu. Andam aqui um ano a ganhar dinheiro e depois põem-se no c****.” Não é mal pensado, disse-lhe eu, mas chamei-lhe a atenção para o que tinha acontecido no ano passado em Alcochete e que os jogadores podiam estar perturbados com a tentativa de invasão da garagem depois da derrota com o Famalicão: "Mas que invasão? Foram lá reclamar, estão no direito deles, foram lá cantar, mandar umas bocas. Queremos o quê? Não ganhamos a ninguém. Perder em casa com o Famalicão e queremos ser aplaudidos?"
De facto, ele tinha alguma razão, o vosso descontentamento é natural, a não ser que seja premeditado, aí torna-se “auto-destruitivo”. Bem sei que é da natureza do adepto querer tudo ao mesmo tempo. Mas ainda agora construímos três campos em Alcochete e vocês já se põem a exigir vitórias em casa contra o Famalicão. Vamos com calma. Uma coisa de cada vez. Tudo a seu tempo. Enfim, o Bruno Fernandes acabou por me dizer que não estava disponível para ser treinador e então tive de ir à procura de um treinador a sério. Liguei ao Cristiano Ronaldo para ver se se lembrava de mais alguém que o tivesse ajudado quando veio para Lisboa e ele falou-me da dona Edna, mas disse-me logo que a senhora só tinha o nível II do curso de treinadores. Perguntei-lhe por aquele primo que lhe trata da correspondência e o CR7, muito educadamente, disse-me que o Sporting não estava em condições de lhe pagar o mesmo que ele recebia a abrir envelopes.
Gorados os meus intentos de alargar o leque de competências do Bruno Fernandes e de oferecer uma nova carreira ao primo do Ronaldo, fui-me deitar muito preocupado. O meu sonho sempre foi servir o meu clube. Custa-me ver a tristeza dos adeptos por não conseguirmos endireitar o futebol do Sporting. Lembrei-me dos festejos do último campeonato em 2002, da alegria daqueles milhares de pessoas pelas ruas de Lisboa e, embalado pela doçura dessas memórias distantes, ia caindo no sono. De repente, fez-se luz!
Lembrei-me de um jovem de cachecol a celebrar a vitória do Sporting perto do Rossio e com quem troquei contactos na altura. No meio do contentamento generalizado, a euforia dele destacava-se. Era um adepto especial. Perguntei-me por onde é que ele andaria agora. É de alguém assim que precisamos para treinar o Sporting, pensei. Pesquisei nos meus contactos e encontrei o número dele. O resto já vocês sabem."
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