"Na noite em que o River Plate e o Boca Juniors não jogaram devido à violência da estupidez, Toni recordou dois jogos em Buenos Aires, contra o Santos e contra o River. Tinha acabado de chegar ao Benfica, mas botou figura.
Koweit - Conversar com Toni, o nosso Toni de Mogofores, Toni do Benfica, como se orgulha de ser conhecido, é sempre um prazer. Pela amizade que é grande e antiga, e por tudo aquilo que ele conta que se transforma numa aprendizagem. Desta vez foi no Koweit, em sua casa, no bairro de Salmiya, não muito longe do Estádio Paz e Fraternidade, onde ministra os treinos do Kazma Sport Club na companhia do seu filho, António Oliveira, como ele, que também jogou no Benfica, nem outra coisa poderia ter sido.
Era noite cerrada sobre o golfo que já do Pérsico, nos meus tempos de escola, e agora teima em ser Arábico, por uma daquelas conveniências que só a politica explica, chovia a cântaros, coisa pouco vulgar por estes lados desde os tempos imemoriais do Dilúvio (há quem diga que perante a inutilidade do primeiro, Deus não perdeu tempo a arranjar um segundo), estávamos à espera que começasse, lá por Buenos Aires, a segunda mão da final da Taça Libertadores, entre o River Plate e o Boca Juniors. Bem pudemos esperar porque não começou. A estupidez humana não tem limites e talvez tenha sido essa a desilusão de Deus depois de ter mandado Noé construir a arca. Mas começou o desfiar das memórias.
Toni era um rapazinho de 22 anos, chegado ao Benfica, vindo da Académica, ali à mistura com os monstros todos, de Coluna e Eusébio a Simões e Torres.
Olha para o rectângulo da televisão no qual o jogo não passa de uma promessa por cumprir: 'Tinha acabado de assinar pelo Benfica e fui logo num digressão ao Brasil e à Argentina. E correu-me bem. Neste estádio marquei um golo ao Santos do Pelé. E um bom golo!'.
A gente, na brincadeira, solta que só pode ter sido sem querer. E ele explica o lance. Gestos e tudo.
Dois-a-quatro e três-a-três
O Benfica empatara o primeiro jogo desse torneio internacional com o Boca Juniors, em La Bombonera. Simões fora o autor de um exibição notável. De tal forma, que o presidente do Boca, que já fizera uma tentativa para o contratar, desceu ao relvado para lhe dar um abraço.
Toni, claro, lembra-se de tudo. E conta. Depois houve um jogo-treino, que não foi jogo a sério. Contra o Independiente. Cinquenta minutos para desentorpecer porque entre defrontar o Boca e o Santos decorreram cinco dias.
E o Benfica - Santos jogou-se no Monumental.
Uma figura fez um figurão: nem Eusébio nem Pelé; Toninho: quatro-golos-quatro, como nas touradas. 7, 32, 47 e 65 minutos. É de truz!
Os golos do Benfica tiveram lugar aos 49 e 87.
O segundo foi de Calado.
O primeiro foi de Toni! Com ponto de exclamação.
Tinha entrado a substituir José Augusto. 'Remetei de longe. Com muita força! Foi uma verdadeira pedrada!' Gilmar nada podia fazer.
Esse Toninho era Toninho Guerreiro. Já morreu. Vai fazer em breve 19 anos.
Mas ou outro António Ferreira. Ou melhor: António, com acento circunflexo.
E calma nas hostes! A coisa não ficou por aqui. Toni voltou a jogar no Monumental, desta vez a titular, no Benfica - River Plate. Jogo de encher o olho guloso: 3-3.
Na baliza do River, internacional argentino Carrizo. 'Voltei a fazer o mesmo que tinha feito ao Gilmar. Um pontapé de fora da área e bola no canto'.
Na véspera, os tanques soviéticos tinham entrado em Praga.
Na televisão não se passa nada.
O River Plate - Boca Juniors não existiu. A violência não deixou.
'Tenho boas recordações daquele estádio', suspira o Toni.
É noite cerrada no Koweit. Ainda chove. Ele espreita pelo vidro da varanda do décimo segundo andar: 'Amanhã não vamos precisar de pedir para molharem a relva para o treino'.
Às vezes, em alturas assim, o ontem e o amanhã misturam-se. Mesmo nas margens do Chat-El-Arab..."
Afonso de Melo, in A Bola
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