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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A (de)formação no futebol

"(...) «este modelo competitivo tem jogado no sentido oposto ao melhor estímulo para a evolução: a dificuldade, a competitividade» (...)

Os resultados recentes das equipas nacionais, ao nível da formação, parecem um indicador claro do excelente trabalho que se está a fazer em Portugal nesse sentido. E sendo que há mérito na forma como temos aproveitado melhor alguns dos futuros talentos nacionais, a maior fatia desse mesmo mérito é dos clubes que trabalham diariamente com os jogadores. Poderia começar por falar dos jogadores que se destacam de forma evidente e só aparecem nos sub-20 ou sub-21, ou no modelo que observa fundamentalmente quem não precisa de tanta observação (com foco nos clubes “grandes”), mas parece-me mais urgente falar das lacunas do nosso modelo competitivo.
Olha-se para as selecções nacionais e as convocatórias são, naturalmente, dominadas pelos jogadores do Benfica, do Porto e do Sporting. Afinal, é neles onde a maior parte dos melhores jogadores está concentrada. E é precisamente aí que reside o grande demérito da Federação. O modelo competitivo permite que os “clubes grandes” monopolizem a qualidade, e não obriga a que se aperte muito o critério na hora de se escolherem os jogadores. Isto é, as equipas mais poderosas - por terem melhores condições financeiras - têm a possibilidade de inscrever um número de equipas igual ao número de campeonatos que há para disputar no mesmo escalão, e ao nível das Associações de Futebol inscrevem-se equipas no mesmo campeonato pelo número de séries.
Podemos culpar os clubes por não estarem a dar o melhor estímulo ao nível de competitividade aos jogadores por inscreverem tantas equipas, mas os clubes defendem-se dizendo que têm o melhor modelo de treino para evoluir os jogadores, os melhores treinadores, e as melhores condições estruturais. Já para não falar que se eles não o fizerem, a equipa A, B, ou C vai fazê-lo e eles não querem correr o risco de perder talentos para os rivais. E é neste modelo que faltam normas que nos permitam chegar mais longe nas condições que oferecemos aos nossos jovens jogadores para evoluírem.
Olhemos, por exemplo, para os defesas ou para os guarda-redes das equipas de maior nomeada. A maior parte das equipas que os defrontam, pela diferença abismal de qualidade, está tão convencida que vai perder e que não pode lutar pelo resultado que joga apenas para evitar um resultado avolumado. Ou seja, fecham-se perto da sua baliza o jogo inteiro, com linhas defensivas de seis elementos, ou duas linhas de cinco elementos, com o objectivo único de retardar ao máximo os golos sofridos. Porque é certo que vão sofrer golos, e é quase certo que vão sofrer muitos, aparece a necessidade de se defenderem de um resultado muito desnivelado. Afinal, estamos num país onde os resultados na formação contam imenso, não é?!
Acaba por ser contraproducente para os guarda-redes e para os defesas das equipas grandes passarem o ano inteiro onde apenas em quatro, cinco, ou seis jogos, são colocados à prova. E no resto do tempo o que fazem? No jogo, não têm situações defensivas, perto da sua área, em volume suficiente para desenvolverem as suas capacidades; e sequer são obrigados, jogando alto, a proteger a profundidade de forma rigorosa e a sobressaírem nos duelos defensivos, porque o adversário tem tão poucas situações para sair, e tem os jogadores todos tão longe dos defesas e do guarda-redes, que dificilmente se sentem ameaçados. Como é que se desenvolvem os aspectos defensivos destes meninos, a defesa da baliza dos guarda-redes, a concentração e o rigor, se os erros que cometem dificilmente são penalizadores?! Com esta margem enorme para errar, sem penalização, o estímulo acaba por ser muito fraco na maior parte do tempo.
O mesmo é válido para os aspectos ofensivos. Estamos a falar de uma esmagadora maioria dos jogos onde o guarda-redes e os defesas não são pressionados quando têm a bola, e apenas têm que passar ao colega que está sempre livre sem qualquer risco. O maior risco é a sua própria execução, e eles também sentem que mesmo errando não haverá grandes consequências. A construção limita-se às situações em que têm todo o tempo e espaço para decidir o lance. Como é que estes jogadores aprendem a jogar com o risco de perderem a bola e a situação acabar num golo ou num lance de finalização? Como é que se tornam mais capazes de jogar sob-pressão se nunca são pressionados? Como é que aprendem a conviver com o erro?
Este modelo competitivo tem jogado no sentido oposto ao melhor estímulo para a evolução: a dificuldade, a competitividade. A transFormação do nosso modelo é fundamental para sermos mais capazes, e conseguirmos mais regularmente aproveitar e estimular melhor mais talentos nacionais. E para tal basta que no topo da cadeia se faça uma limitação no número de equipas que cada clube pode inscrever em cada escalão (duas), e uma limitação no número de jogadores inscritos por escalão (por exemplo, entre juvenis A e juvenis B, cinquenta).
Disto poderá resultar a necessidade de criação de protocolos com outras equipas, ou na criação de equipas com outros nomes por parte dos “grandes clubes”. A primeira situação seria a ideal para o desenvolvimento das equipas menos abastadas; a segunda situação, não sendo tão boa para esses clubes, continuaria a permitir um estímulo melhor para todos os jogadores, uma vez que seriam muito mais o número de vezes que todos os jogadores teriam que enfrentar jogadores melhores, com estratégias mais arrojadas para tentar vencer e não apenas para evitar perder."

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