"Bruce Rioch, o antecessor de Arsène Wenger no Arsenal, já tinha o objectivo de trabalhar a ligação dos ataques da equipa. Por outras palavras, era uma questão de eliminar os resíduos do “Boring Arsenal” que subsistiram nas últimas duas, três épocas de George Graham no comando técnico. Lançar a bola na frente para Ian Wright era o plano A, B e C, pelo que, em Highbury, adeptos e direcção queriam mais. E nem a conquista da Taça das Taças de 1994, contra o Parma, em Copenhaga, diminuiu a insatisfação do público com Graham. Foi nesse pressuposto que Bruce Rioch foi chamado, com o propósito de melhorar o jogo combinativo e logo com uma badalada aquisição vinda de Milão: Dennis Bergkamp.
Wenger era uma paixão antiga de David Dein, já dos tempos do Mónaco, e o estratega alsaciano era visto como o homem certo para levar o Arsenal para outro nível. O facto é que Rioch nunca gerou consenso na cúpula directiva do clube, mesmo não tendo feito um mau trabalho, de ter inculcado algumas ideias positivas no futebol do Arsenal e de os jogadores gostarem dele. Posto isto, Wenger foi, então, contratado em 1996 pelos Gunners e o resto da história já é amplamente conhecida.
Aquilo que talvez suscite mais curiosidade é o porquê de a equipa da vigência de George Graham ter ficado com o rótulo de “Boring Arsenal” e de ter desencadeado a chegada de Rioch e de Wenger posteriormente.
Na verdade, o Arsenal das primeiras épocas com Graham até jogava com muita liberdade atacante e entusiasmo. De aborrecido nada tinha. Foi nessa base que foram campeões em 1989 (com o golo de Michael Thomas em Anfield) e em 1991 (com mais 26 pontos que o Man.United), mas algo mudou na cabeça de Graham a partir de 6 de Novembro de 1991. O ponto de viragem aconteceu em Highbury, quando o Arsenal recebeu o Benfica e perdeu por 1-3, com um golo de Kulkov e dois do Profeta: Isaías.
Entendendo o encadeamento dos acontecimentos, Isaías foi um dos principais responsáveis pela mudança de estilo do Arsenal e que, indirectamente, impulsionou a chegada de Wenger ao clube. Com o mesmo armamento com que rachava balizas na Luz, Alvalade, Antas e Bessa, o bombardeiro capixaba colocou a sua impressão digital em Highbury. Bobby Robson, por exemplo, era um dos treinadores rivais que mais admirava o pé-canhão. E a Premier League também o abraçaria mais tarde, quando trocou o Benfica pelo Coventry City com o rótulo de primeiro brasileiro a atuar na PL, ainda antes de Juninho Paulista brilhar em Middlesbrough - Mirandinha, no Newcastle, foi o primeiro brasileiro, em 1987, mas antes da criação da Premier League.
A contextualização é importante no meio desta história da mudança de paradigma táctico do Arsenal. A época de 1991/92 era a primeira em que os clubes ingleses participavam nas provas europeias depois do castigo severo de seis anos imposto pela UEFA na sequência dos incidentes trágicos no Heysel. E não foi por acaso que, depois da sapatada que o Arsenal levou do Benfica, vários protagonistas encaminharam o discurso em sentido idêntico. Tanto Graham como Tony Adams admitiram que o emblema lisboeta (treinado por Eriksson) estava bastante avançado em termos de compreensão colectiva do jogo, apresentando uma base sólida em fase defensiva e denotando mais objectividade nos ataques rápidos que apanhassem o Arsenal desorganizado. Thern e Kulkov davam suporte, Paneira e Rui Costa imaginavam, Isaías fazia um pouco de tudo e Iuran esticava e lutava.
«Eu já tinha jogado a nível internacional pela Selecção inglesa, mas não a nível de clubes.» O defesa-central do Arsenal descreveu ainda o estilo do adversário: «O Benfica tinha mais técnica do que nós e jogava de forma diferente daquilo a que estávamos habituados, com mais contra-ataques e sabendo guardar a bola.»
A hibernação sem participação regular nas provas europeias desactualizou o Arsenal e os jogadores apanharam um choque quando se depararam com uma equipa muito mais modernizada e rigorosa como era a de Eriksson. Graham digeriu e reconsiderou o modelo, na busca por um registo mais realista. E foi nessa medida que levou ao extremo a demanda pelo equilíbrio, acabando por se chegar a um ponto em que disciplina e retracção se confundiram. A equipa tornou-se mais fechada, inclusive na forma de atacar. Percebia-se que tentavam defender com mais organização na zona recuada do campo e, então, iniciar os lançamentos mais e mais frequentes para Ian Wright. A bola longa era, no entanto, uma solução curta.
O ajuste de Graham nasce de um propósito sensato, mas não resultou em pleno, ainda que o triunfo europeu na capital dinamarquesa, em 1994, com o golo de pé esquerdo de Alan Smith, tenha dado uma alegria relativa à comunidade do Arsenal. São estes ciclos que marcam quem melhor se adapta às tendências, quem melhor convive e se integra. A dada altura, por múltiplos motivos, também passou a ser esse o grande desafio de Wenger, que ontem se despediu ingloriamente das provas internacionais como treinador do Arsenal. E olhando para trás, verdade seja dita que não faltaram ao treinador francês momentos-Isaías para promover reflexões mais extensas."
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