"Cada um tem para si mesmo uma inabalável definição de craque. Construiu-a também de memória, a partir do que viu durante a adolescência e idade adulta, fosse em kinemacolor, technicolor ou na cor natural trazida pelas décadas seguintes. Formou referências, moldes, em que encaixam os jogadores, com maior ou menor dificuldade.
Não há, também por isso, definições erradas ou certas, nem uma mais verdadeira do que outra. Os craques, quando os reconhecemos entre os mortais, vivem sempre numa parte de nós, onde chegam mediante o que fazem em campo.
Sem contarmos com o topo, onde dois ou três se sentam a olhar para baixo, e sem a base, de onde uma multidão já não tem mais para onde cair, além de purgatório ou inferno, é fácil subir e descer degraus mediante o gosto de cada um.
Mais valorizados os mesmos gostos dos que interferem directamente com o jogo e os jogadores, absolutamente inúteis para alguém que não os autores os de quem se delicia entre montículos de restos mortais de tremoços e uma caneca também a perder vida por culpa das alterações climáticas. Nada é mais do que prazer, nem precisa de o ser.
O meu craque é feito de três qualidades fundamentais: a relação íntima e quase obsessiva que tem com a bola, a leveza com que lhe toca e a distribui; a capacidade de não ter de olhá-la nos olhos para que esta se sinta confortável e possa observar sempre à sua volta para decidir melhor o que fazer; e a clarividência para, na maior parte das vezes, tomar a decisão mais certa, entre outras menos certas e algumas completamente erradas, esteja perante pouca ou muita pressão, seja do momento ou do adversário.
Classe, postura e inteligência.
Há muito boa gente que se fica pela classe. Chega! Outros que não pensam em classe sem postura. Perfeito! Mas o que seriam classe e postura sem esse dom de tomar quase sempre a melhor decisão, seja a ocupar o espaço, a procurá-lo, a decidir-se pela assistência ou a escolher uma entre milhares de formas de marcar um golo?
Claro que decidir (quase sempre) bem é algo intrinsecamente mental, mas implica obviamente fazê-lo tendo por base técnicas de passe e remate sólidas. A definição é isso. De que vale tocar a bola com classe, jogar de cabeça levantada e ter visão periférica, se depois não se escolhe o melhor ângulo, a melhor linha de passe ou, simplesmente, se deixa passar o momento.
É aqui que entra Rafa, o velocista do Benfica. Embora pudessem entrar outros, inclusive de clubes rivais.
A diferença é que quanto mais alto se sobe em termos de grandeza das equipas maior a capacidade de definição dos seus jogadores. Aqui é que se traça a linha que separa os maiores dos demais.
Não consigo olhar para Rafa sem pensar que a classe e as características formidáveis que tem, sobretudo quando tem espaço e pode meter a sexta, não chegam para defini-lo como um fora de série. Faltam-lhe mais últimos passes, faltam-lhe mais golos. Falta-lhe definir melhor.
Rafa não tem tempo a perder. Terá uma equipa de alta competição tempo para que o treino, a repetição, lhe acrescentem mais armas ao talento? Provavelmente, não. Só que para chegar ao topo, terá de dar um salto grande, provavelmente maior do que o corpo. Precisa de pensar tão rápido quanto corre. Mas sobretudo precisa de pensar bem."
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!