"Aos 78 anos, deixou-nos a todos mais pobres. Mas é a vida intensa e bonita que merece ser lembrada e celebrada. Mário Coluna, um tremendo jogador de futebol, um líder, um exemplo para todas as gerações.
Eusébio acabara de morrer. Mário Coluna vertia uma lágrima. Uma parte de si morria também. Pela tristeza de dizer adeus ao amigo de décadas, afilhado, amigo. Por ver partir a maior das representações da qualidade da sua liderança. Ele que ficara com a missão de encaminhar um ainda menino Eusébio por caminhos rectos. Conseguiu-o. Foi fiel à carta da dona Elisa, mãe do futuro 'Pantera Negra', que pedia que tratasse o seu filho como se seu irmão mais novo fosse. Coluna teve papel fundamental na evolução do 'Rei'. Amigos eternos. Por isso o antigo capitão benfiquista viu a sua já dedicada saúde deteriorar-se assim que soube que, naquele Janeiro, Eusébio tinha partido. Menos de dois meses depois, Coluna partiu. Aos 78 anos. Não resistiu a uma infecção pulmonar. O destino que os juntou num mesmo campo relvado encarregou-se de os unir para a eternidade na memória de quem verdadeiramente ama o futebol.
O tributo
Na Maputo que o viu nascer (ainda que então baptizada de Lourenço Marques, embora o local de nascimento tenha sido Magude, a 100 Km de distância), Mário Coluna mereceu ampla homenagem. Luís Filipe Vieira liderou uma comitiva onde marcaram presença dirigentes e glórias do Benfica. Nos actos fúnebres, a certeza de um respeito que ultrapassou as décadas.
'Dizem que nascemos todos iguais, mas Coluna nasceu diferente, para melhor, para bem melhor. Foi e será sempre um génio que engrandeceu o futebol. O exemplo dele não é apenas património do Benfica, é património do futebol. Sempre foi grande porque nunca reclamou a grandeza que tinha. Sempre foi Moçambicano, porque nunca renunciou às suas raízes, e sempre foi português, porque nunca esqueceu a forma como o acolhemos. Ganhou em vida a admiração dos que tiveram o privilégio de o ver jogar e respeito de todos os que não o viram jogar. Todos sabem que foi um dos maiores talentos da sua geração. Obrigado, Coluna', disse, sentido, o presidente do Benfica.
Também o presidente de Moçambique, Armando Guebuza, fez questão de prestar um tributo ao antigo futebolista: 'Moçambique está de luto. O nosso povo e os amantes do desporto devem-lhe sentida homenagem e inclinam-se pela memória deste ilustre desportista com o direito de figurar nos anais da história do desporto moçambicano e de ser uma fonte de inspiração para jovens desportistas.
Resta-nos a consolação da tua figura. Até sempre, 'Monstro Sagrado'.'
Em Portugal o minuto de silêncio. Em Moçambique, a certeza de a Supertaça passar a ter o nome do antigo médio. A nível internacional, as palavras simbólicas do presidente da UEFA, Michel Platini: 'Aqueles que tiveram a oportunidade de o ver jogar lembram-se de um atleta magnífico, que marcou a sua época. Mário junta-se ao grande Eusébio, no espaço de poucas semanas o futebol português - e lisboeta -, infelizmente, perde duas das suas maiores figuras', disse Platini.
De avançado a médio
Mário Esteves Coluna nascido a 6 de Agosto de 1935. Moçambique. O toque de bola, ganhou-o muito cedo, apesar de também ter tentado o boxe. Aos 16 anos, e apesar de ter na cabeça o sonho de um dia ser mecânico de automóveis, já brilhava na equipa João Albasini, por onde passara também Matateu. Equipa famosa, rezam as crónicas. Aos 17 passou pelo Desportivo de Lourenço Marques, filial do Benfica e clube fundado pelo seu pai, também antigo guarda-redes do clube, não sem antes, por recriação, ter estabelecido o recorde de Moçambique do salto em altura nos 1,85m. Porto e Sporting queriam-no. O Benfica ganhou a corrida. A 22 de Agosto de 1954, com 19 anos, chegou à Luz como avançado centro. Como médio centro se fixou naquele longínquo 1954. Visão de Otto Glória, que sabia que não poderia coexistir com José Águas na frente. Entregou-lhe, por isso, a batuta da casa das máquinas, o meio-campo. A estreia aconteceu num particular diante do FC Porto. Oficialmente, bisou no arranque da época 1954/1955, no Jamor, diante do Sp. Braga. Aqueles eram os tempos de ouro dos violinos leoninos. Coluna foi um dos homens que mudou o curso da história. Tornou-se coração, cérebro e pulmão de um Benfica que na transição entre os anos 50 e 60 agarrou definitivamente o sucesso no futebol português e o explorou para lá fronteiras.
Os títulos e a glória
Em 1961 e 1962 sagrou-se bicampeão europeu de clubes (marcou golos de antologia nas duas finais vencidas diante de Barcelona e Real Madrid) e em 1966 capitaneou a selecção nacional que conquistou o terceiro lugar no Campeonato do Mundo, em Inglaterra. Marcou presença em mais três (1963, 1965 e 1968). Diante do Milan, lesionado durante o jogo, num tempo onde não existiam substituições, aguentou de forma heróica até final. Conquistou dez títulos de campeão nacional ao serviço do Benfica (1954/1955, 1956/1957, 1959/1960, 1960/1961, 1962/1963, 1963/1964, 1964/1965, 1966/1967, 1967/1968 E 1968/1969). Foi um dos melhores jogadores de todos os tempos do Benfica, de Portugal, do planeta. Até a FIFA o considera, colocando-o entre os 100 melhores de todos os tempos à escala global. No SLB, totalizou 677 jogos, tantos e tantos como capitão. Era o 'Grande Capitão', o 'Monstro Sagrado', a referência dentro e fora de campo. Quem com ele privou lembra as poucas mas significativas palavras, o olhar que também falava e liderava, mas também o sorriso enternecedor.
De Portugal para o mundo
Na selecção nacional marcou uma época. Foi 57 vezes internacional, marcou oito golos, foi o capitão de equipa no Mundial de 1966, quando os 'Magriços' conseguiram um inigualável (até ao momento) terceiro lugar na prova maior de selecções. De 1955 e 1968 foi referência também na selecção.
A 27 de Setembro de 1967 foi o líder da selecção do Resto do Mundo na homenagem ao imortal guarda-redes Ricardo Zamora, em pleno Santiago Bernabéu. Eusébio estava ao seu lado e marcou um golo no 3-0 à Espanha. É difícil adjectivar Coluna, impossível comparar. No futebol actual não existirá um jogador idêntico. Com a bola nos pés, sublime. Da técnica à visão, da certeza de passe ao poder e colocação do remate. Um todo o terreno, um dos primeiros box to box. Mas também um criativo. Um seis, um oito, um dez. Pulmão, coração, nervo. Daqueles jogadores que arrasta uma equipa consigo. Um verdadeiro capitão.
Regresso às raízes
O jogo de despedida dos relvados lusos aconteceu a 8 de Dezembro de 1970, ao lado de outros grandes craques internacionais, como Johan Cruyff ou Bobby Moore.
Condecorado com a Medalha de Prata da Ordem do Infante D. Henrique, terminou a carreira em França, no Olympique de Lyon (onde fez 19 jogos e marcou dois golos). Depois, treinou as camadas jovens do Benfica, o Estrela de Portalegre e o Benfica de Huambo. Regressou a Moçambique após a independência. Liderou a Federação Moçambicana de Futebol. Inaugurou uma academia de futebol em seu nome na vola de Namaacha. Ligado ao futebol e às raízes, viveu para a família. Foi feliz. E viveu sempre o Benfica até ao último dia. Como um grande capitão."
Ricardo Soares, in Mística
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