"Na manhã de sexta-feira, dia 6 de Maio de 1960, uma delegação do Benfica partiu em direcção da coroa do velho Império português. Nunca outra equipa arriscaria tal destino...
O Benfica na Índia !!! Assim mesmo, com três ponto de exclamação. Era uma embaixada, dizia-se. E comportava-se como tal. À chegada apresentou credenciais. Isto é, foi recebida pelo governador-geral, brigadeiro Vassalo e Silva, esse mesmo, que se viu obrigado a render-se, já então general, à frente de um exército de 3 mil homens cercados por 40 mil indianos em Dezembro de 1961. Salazar exigiu que se batessem até à morte; Vassalo e Silva deixou que o bom-sendo falasse mais alto: foi expulso das Forças Armadas Portuguesas. A 'Operação Vijay', levada a cabo pelo Exército da União Indiana arrancou dos dedos portugueses alguns dos últimos anéis do Império: Goa, Damão, Diu, os enclaves de Gongolá e Simbor (os Dadrá e Nagar Haveli já tinham sido perdidos em 1954) e a ilha de Anjediva. Desaparecia, desta forma a Índia portuguesa.
Mas antes disso, em Maio de 1960, o Benfica estava lá, desbravando, como sempre, novos rumos. Chefiava a comitiva que foi ao palácio cumprimentar o governador, o engenheiro Fagundes Saraiva. E viajaram os seguintes jogadores: Malta da Silva, Palmeiro, Vieira Dias, Peres, Mendes, Espírito Santo (o Alfredo), Ramalho, Alfredo Bastos, Sidónio, Inácio, Marques, Jurado e Zézinho. O treinador era Fernando Caiado.
Percebe-se que não era o Benfica na sua força máxima. Nem podia. Na Metrópole, como então se dizia, Costa Pereira, Mário João, Ângelo, Neto, Cruz, Cavém, Coluna, José Augusto, Santana e Águas disputavam as últimas jornadas do Campeonato. Mas os próprios indianos tinham requerido ao Benfica que fizesse deslocar uma equipa menos forte, tal era a diferença de qualidade do Futebol que se jogava na Índia portuguesa.
Vitórias por entre as palmeiras
Talvez os resultados não sejam de superior importância, como não foram. Era uma viagem de festa e de descobrimento: nunca uma representação do Futebol português atingira Goa. O governador lançou-se num discurso poético de boas-vindas: '(...) Tenho a certeza de que este convívio contribuirá para que a ideia do Portugal uno mais se vincule, pelo conhecimento das terras portuguesas. Vós, rapazes, podereis contar um dia aos vossos filhos e netos que visitaram uma terra de lindos rios e palmeiras, onde há cinco séculos se escreveu uma das mais gloriosas páginas da História de Portugal. (...)'.
E assim o Benfica escrevia, também ele, uma das mais brilhantes páginas da sua história de Clube do Mundo.
Em Margão, no Estádio de Fatorda, hoje rebaptizado de Estádio Nehru, o Benfica começou por bater uma Selecção Militar, por 2-1, golos de Peres e Palmeiro, com Alves a conseguir marcar o golo de um tão breve quão surpreendente empate. O estádio encheu-se. Havia a grande curiosidade de ver o Benfica, mesmo sem muitas das suas estrelas. Bandeiras encarnadas surgiram espontâneas um pouco por todo o lado. Uma foto de ambos os conjuntos segurando uma bandeira nacional ficou famosa.
Entre jogos, sucediam-se as visitas: Vasco da Gama, o porto de Panjim, Mormugão, Salcete. Igrejas caiadas erguendo-se no meio de um mar de palmeiras, praias douradas, florestas de cajueiros, coloniais casas de madeira de varandas amplas.
Vitória sobre uma Selecção de Goa, novamente em Margão, 4-0 (Mendes 2, Vieira Dias e Espírito Santo); outra vitória em Vasco da Gama, contra um Misto de Goeses, 1-0 (Espírito Santo). O Benfica saldava a sua aventura sem mácula.
O convite, levado a cabo pelo Conselho de Educação Física da Índia Portuguesa desencadeou um sucesso popular no território. O engenheiro, Fagulha Saraiva, confirmava a especificidade do convite: 'Foi-nos pedida uma equipa secundária porque o nível técnico do Futebol da nossa Índia não justificava a presença da equipa principal'. Nada parece ter mudado a partir de então, seja a Índia portuguesa ou nem por isso. E depois entusiasmava-se. 'É um pormenor sem importância. É a primeira vez que um Clube da Metrópole desloca uma representação de Futebol à Índia portuguesa. Isso já é motivo suficiente para nos sentirmos invadidos de uma satisfação sem limites!'.
A delegação 'encarnada' passeou pelas ruínas de Velha Goa, pela fortaleza de Aguada, pelas praias de Calangute e de Colva...
Na manhã de 6 de Maio de 1960, a águia voou na direcção da Índia. Para ela o céu nunca pode esperar."
Afonso de Melo, in O Benfica
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