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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Racistas, nós?

"André Villas-Boas lançou uma operação de promessa de aquisição de Hulk, no seguimento do “rendez-vous” de Manchester, confiante no desvelo do oligarca russo que há cerca de dez anos vem generosamente ajudando a pagar as contas do FC Porto. A imagem de felicidade que irradiava do reencontro destes belos espíritos tanto podia decorrer das mais-valias que o negócio lhes proporcionará, como da promessa de golos e espetáculo que a categoria do brasileiro oferece.

Mas, para o FC Porto, a saída de Hulk possibilitaria também recuperar o sossego de cânticos mais adequados aos ouvidos sensíveis da UEFA, transferindo para a untuosa Velha Albion a macacada dos urros “Hulk, Hulk, Hulk” que os responsáveis pela comunicação portista tanto apreciam.

A eventual ida de Hulk para Inglaterra poderia levar com ele a graça deste apoio exclusivo, que até podia ser copiado pelos adeptos do City com o já sugerido “Kun, Kun, Kun”, se não estivesse latente esse preconceito de uma nação que nunca soube conviver saudavelmente com a comunhão de raças, a tolerância de credos e a transversalidade social – comparativamente à lusitana, claro. Sem olvidar uma Liga e uma Federação sem fantoches no comando.

Os responsáveis do futebol português, a começar pelos do Sindicato, asseguram que não existe racismo por cá e que a campanha esta semana em curso não passa de uma formalidade, no âmbito das preocupações europeias. Estão errados, evidentemente, pois a xenofobia e a intolerância grassam há décadas no seio dos clubes, não apenas no bàs-fond das claques, mas notoriamente também nas castas mais influentes.

Foi através do futebol que conheci pela primeira vez uma pessoa de cor. Jogava no meu clube, chamavam-lhe José Mulato e marcava muitos golos, no distrital ribatejano. Por aquele tempo, meados dos anos 60, Portugal apresentou a primeira seleção “africana” a disputar um Campeonato do Mundo, assombrando os seus parceiros europeus pela integridade, fraternidade e identidade daquela equipa fantástica, unida por uma bandeira. A Inglaterra, por contraste, só em 1980 e depois de muita discussão integrou o primeiro negro, Vivian Anderson, na sua equipa nacional.

Nas últimas décadas, o desenvolvimento da chamada indústria do futebol gerou elevados custos colaterais, justamente por causa do exacerbamento dos espíritos no sentido da reunião das hostes e no antagonismo preconceituoso dos outrora adversários, hoje inimigos. Nos anos 60, éramos todos portugueses, ainda não tínhamos sido divididos entre genuínos e mouros, por exemplo – expoente da boçalidade regionalista assente na confrangedora ignorância das novas gerações sobre a influência muçulmana na nossa cultura milenar.

A ideia de que o racismo se distingue entre brancos e negros atenua a gravidade da xenofobia latente e justifica que as autoridades fechem olhos e ouvidos à destilação de ódio que ecoa semanalmente na maior parte dos nossos estádios. A banda sonora dos jogos televisionados é, por exemplo, muito mais obscena do que qualquer confusão visual entre Hulk e Balotelli."


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