"Há muito que digo, por graça, que os adeptos da seleção – sobretudo os que afirmam que nem gostam propriamente de futebol, apenas destes momentos de fervor patriótico – são como condutores de domingo. Surgem de tempos a tempos, sem dominar bem a tarefa e ignorando até algumas regras básicas, mas são muitos, pelo que rapidamente provocam engarrafamentos desnecessários, com protestos mal informados como consequência.
Claro que têm todo o direito a participar da festa e até é nestes momentos que se ganham mais uns quantos adeptos definitivos, mas a maioria circulante provoca sempre ruído, muito dele inútil.
Acompanho Europeus e Mundiais há décadas e já me habituei ao trânsito. Vai em crescendo, a partir das manifestações iniciais de dúvida: se este caminho é melhor que aquele, se quem nos guia é fulano ou sicrano. Sempre em busca da solução fácil, do fator x que tudo explica e autoriza. E passa-se depressa da crítica gratuita à mitificação do herói. E vice-versa.
Em Portugal, então, é numa vertigem que se avança do «não jogamos nada» ao «vamos ser campeões do mundo». Voltou a acontecer na última semana. O treinador é à vez bestial e besta, como sempre, e glorificam-se ou atacam-se jogadores em função da tonalidade clubística que carregam desde a formação. Nem a pátria em chuteiras nos livra disso.
Os que cá andam por sistema, como eu, gostam de ter razão, que as exibições e resultados lhes confirmem os vaticínios. Mas é bem menos por isso que me agrada que esteja a correr bem desta vez, do que por se provar que afinal é possível ver Portugal jogar como equipa grande, colocando em campo, ao mesmo tempo, os maiores talentos que tem. É o gozo que dá. E há muito que ver Portugal jogar não dava tanto, na incomparável qualidade de Bernardo Silva, na capacidade de Bruno Fernandes para resolver qualquer jogo, na afirmação exuberante do génio de João Félix, na confirmação de Otávio como craque completo.
E tantos mais, que a partir do banco podem acrescentar na zona criativa, do meio-campo para a frente, onde verdadeiramente se determina se uma equipa é apenas boa ou tem qualidade extra. Claro que se perder com Marrocos, ou no jogo a seguir, ou até na final como nunca jogámos, lá se dirá que faltou quem defendesse naquele meio-campo, ausente de jogadores mais rápidos ou robustos. Fernando Santos será então acusado, desta vez, de excesso de ousadia. Não deixa de ser irónico.
Escreveu há um par de dias Juan Manuel Lillo, ex-assistente de Guardiola e um dos que melhor refletem sobre futebol, já a propósito deste Mundial: «às vezes penso que os 90 minutos são quase um transtorno para algumas pessoas, que só querem mesmo ou elogiar os vencedores ou dizer o piorio (talk shit, no original) de quem perde.»
Se Portugal acabar a celebrar - só aconteceu uma vez! – seremos todos parte daquele povo fantástico, conquistador e raro. Caso contrário, os culpados serão os de sempre, com o treinador à cabeça, sobretudo por não ter colocado Ronaldo mais tempo. E até o futebol, ele próprio, será de novo verberado por ter importância a mais num país como o nosso. Será quando acordaremos de novo para a realidade, ainda de guerra e inflação, como numa qualquer segunda-feira em que voltam a andar na estrada os do costume, obrigados ao percurso atribulado para o trabalho ou levar os filhos à escola em hora de ponta.
Os domingueiros da bola, com posts mais ou menos populistas, hão de voltar numa próxima oportunidade. Porque, até lá, cada sequência de 90 minutos é uma canseira para eles."
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