"À 11.ª jornada, a seis pontos do líder Sporting, as multidões crucificavam o inglês de poucas palavras. O presidente Borges Coutinho defendeu-o. Os jogadores também. O Benfica foi campeão com três pontos de avanço e bateu os leões por 5-1 na Luz.
Jimmy Hagan foi, na verdade, uma figura muito especial da história do Benfica. Esta época ouvimos muito falar deles por causa dos mais de cem golos marcados pela equipa de Bruno Lage (mais Rui Vitória) no campeonato nacional, algo que também fez parte da vida do inglês na Luz.
Três vezes consecutivas campeão nacional, uma delas concedendo somente dois empates durante, todo o campeonato, esperar-se-ia, se calhar, mais universalidade de opiniões em redor do que fez. Não sei se a sua brusca saída, em conflito com grandes figuras do balneário da época, se a sua passagem pelo Sporting (onde não se deu muito bem), se o ódio que alimentou, ou que muitos jornalistas alimentaram por ele, contribuíram em conjunto para que a sua imagem fosse abalada. Mas que foi, foi. Facto é facto. E passados todos estes anos, Mr. Hagan, um tipo de poucas palavras e muito acção, é ainda uma daquelas personagens que merece reflexão, salvo opinião em contrário, mas aqui deixo a minha.
Hagan chegou a Portugal sem nenhum currículo especial que o indicasse como futuro grande campeão, mas veio sob os auspícios do presidente Borges Coutinho que se sentia muito seguro da sua opção. Como vimos a semana passada, não foi o mau início da prova em 1970 que fez Borges Coutinho mudar de ideias. Ele tinha fixado um número que ficara para os registos do futebol em Inglaterra: com Hagan no comando, o Peterborough United tinha sido promovido ao futebol profissional com o recorde de 134 golos marcados numa época. E, com uma frase, arrumou a questão da possibilidade de Hagan vir a ter o lugar em risco ao fim da décima jornada: 'Se vai ficar até ao final da época? Nem sei o que vai acontecer daqui a dez minutos, quanto mais daqui a sete meses'...
Convencendo os jogadores
A sobrecarga dos exercícios físicos em detrimento de uma maior preparação técnica e táctica, terão, no início, posto muitos dos jogadores de pé atrás com o treinador inglês. Mas, a pouco e pouco, houve quem mudasse de ideias. Reparam no que disse, entretanto, António Simões: 'Devo esclarecer que tenho modificado o meu ponto de vista em relação a uma intervenção pública que tive recentemente e na qual declarava que não via que treinadores ingleses pudessem trazer algo de novo para o Benfica. Mr. Hagan é uma pessoa extremamente disciplinada. Toda a gente sabe que os ingleses gostam de tudo a horas, de tudo na ordem. Afirmo com toda a certeza de que os pontos que levamos de atraso para o primeiro lugar não são, de forma alguma, responsabilidade de Mr. Hagan'.
O Benfica acabara de perder chocantemente em Faro, com Malta da Silva a ser expulso. Depois, 0-2 em Setúbal.
O povo não estava contente. Como poderia estar?
E Simões: 'Toda a gente sabe que tínhamos um prémio especial de cinco contos se ganhássemos em Setúbal. Perdemos. Não ganhámos um tostão. Foi por não gostamos do técnico? Cabe na cabeça de alguém que, por não gostarmos de um técnico, percamos jogos? Temos provado com o nosso trabalho que estamos com o treinador. Mas sofremos de um estado de espírito terrível: ter de ganhar! Um estado de excitação, nervosismo e intranquilidade que nos leva a perder oportunidades que não se perderiam noutra situação. Não é verdade que o treinador não queira ouvir as nossas opiniões. Ainda na véspera do jogo de Setúbal, discutimos todos os planos pré-estabelecidos. Ele não percebe apenas de preparação física, como já vi escreverem por aí, e a marcação de José Maria e Jacinto João não foi obra do acaso. Deixemo-nos disso: não vamos dizer que o técnico não dá tácticas e que os jogadores não gostam dele e o ambiente é mau. Não é realmente bom, mas pela simples razão de que chegámos à 11.ª jornada a seis pontos do guia. Não andamos por aqui com muita vontade de brincadeiras. É natural. Temos é de trabalhar fortemente o aspecto psicológico'.
No final o Benfica seria campeão. Com mais três pontos do líder que à jornada 11 levava seis de avanço: o Sporting. Demorou dez jornadas a apanhar o seu rival e a passar para o comando. Na Luz venceu os leões por 5-1!
Borges Coutinho tinha levado a sua avante: 'Se sentisse que Hagan não servia para o Benfica já o tinha tirado. E nem todos os treinadores servem para o Benfica'."
Afonso de Melo, in O Benfica
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