"Depois de termos assistido a um grande (e merecido) destaque das questões de saúde mental associadas quer ao alto rendimento desportivo (através do discurso directo de diversos atletas, alguns “super-atletas”), quer ao contexto empresarial, através da coluna de Horta Osório (CEO do banco britânico Lloyds, e um dos, reconhecidamente, 'top-performers' deste segmento) no “The Guardian”, importa começar a colocar este tema “em cima da mesa”, não de uma forma pontual e episódica, mas através de um conjunto de medidas estratégicas para fazer face ao mesmo.
Como tão bem caracterizou Horta Osório “o problema da saúde mental é um problema de todo o Reino Unido que impacta a nossa economia todos os anos, aumentando os custos dos empregadores (através de produtividade baixa, pedidos de licença por doença, mudanças constantes de pessoal) e do nosso governo (pedidos de subsídios, menos impostos recolhidos). Mas, combater este tema não é só um tema de aumento de prosperidade, mas de forma crucial, de como trazer um enorme impacto na vida e no bem-estar das pessoas”.
Assim também o é em Portugal, onde a importância de criar soluções é igualmente urgente.
O Exemplo de Horta Osório
A forte defesa de Horta Osório de um tema que, seja qual for o contexto de performance, se encontra vincadamente estogmatizado, resulta, como não podia deixar de ser, do seu próprio processo de transformação pessoal.
Como refere em discurso directo inúmeras vezes, ocupando cargos de elevada responsabilidade desde os 29 anos de idade, cedo compreendeu quão solitária pode ser a existência de um CEO, na medida em que, muitas das questões fracturantes com as quais sempre teve que lidar (do foro pessoal ou profissional), foram muito possivelmente vividas num silêncio auto-imposto, numa clara tentativa de não fragilizar a imagem do líder.
Assim se vive... ou por outra, “sobrevive”... na generalidade das organizações.
Por mais estudos que indiciem a necessidade imperial de se apostar na construção de 'Soft Skills' (ou, como referi num artigo anterior, 'Critical Skills') dos colaboradores pois, tornando-os mais resilientes, mais focados e comprometidos (com a sua vida pessoal e profissional) estamos, seguramente, a apostar na sua qualidade de vida e, em última análise, na sua capacidade em ser produtivos, a realidade continua a evidenciar que, maioritariamente, não existe uma estratégia clara (nem aposta) das organizações em munir os colaboradores com este tipo de ferramentas – opta-se ainda, num estilo muito mais clássico e ortodoxo, por apostar em formação técnica/tecnológica, por vezes sem aplicabilidade alguma, apenas para “cumprir” os planos obrigatórios de formação anual.
O Poder dos Testemunhos Reais
Como em qualquer outra área, nomeadamente nas que abordam temáticas que, classicamente, não se associam com um contexto “imaginado de super-heróis” (super atletas, super gestores), o TESTEMUNHO de pessoas que vivenciaram situações de “burnout” emocional para, em seguida, ativando os seus mecanismos de resiliência, se reerguerem e prosseguirem no seu projecto de vida (por vezes, até em patamares superiores) são perfeitamente fundamentais para quebrar o estigma e “tabu” que, infelizmente, ainda impera na nossa cultura de desempenho (desportivo, empresarial, artístico, outros...).
São fundamentais para dar o exemplo e indiciar o caminho a seguir.
O discurso directo de quem transformou adversidade em oportunidade, de quem aceitou olhar a sua fragilidade como fonte de informação para um novo salto desenvolvimental, transformando-a numa alavanca de superação e aumento de qualidade de vida e bem estar, não só é fundamental como é necessário.
Necessário para, de uma vez, entendermos que a nossa condição humana exige que se aprenda a lidar positivamente com todo o tipo de emoções, sabendo-as expressar pelos canais adequados, no timing certo.
E, daqui, não resulta nenhum “defeito” ou “falta de personalidade”... Resulta sim, uma enorme compreensão do funcionamento humano.
Quanto Maior o Poder, Maior a Responsabilidade
Era assim que aparecia escrito nos livros de banda desenhada de super-heróis da Marvel que lia em miúda e, na vida real, não é diferente.
Tão mais importante se torna o testemunho, quanto maior for a responsabilidade e influência do cargo que ocupam numa empresa ou do protagonismo que assumem numa dada área de performance, pois podem aproveitar os mesmos para começar a criar um novo olhar para uma questão que, afinal, pode muito bem ser apenas o primeiro passo para a elevação de toda a nossa existência.
O programa de “Optimal Leadership Resilience” de que Horta Osório nos fala no seu artigo traduz isto mesmo – a preocupação de uma Organização em capacitar as funções que se encontram mais sujeitas a stress com um conjunto de ferramentas (claramente também associadas ao desporto de alta competição) que potenciam as qualidades físicas e psico-emocionais de qualquer “performer”:
- Nutrição, monitorização cardíaca, gestão do sono, avaliação e análise psicológica, numa perspectiva de habilitar o individuo a confrontar-se positivamente com os desafios do presente.
Excelente a iniciativa de Horta Osório e do Lloyds pela visão e estratégia (a médio/longo prazo), pela preocupação com o ser humano e não com o “colaborador”, pela aposta numa equipa de “maratonistas felizes” e não de “sprinters exauridos”, enfim, uma vez mais pelo exemplo que nos trazem de que é possível fazer diferente... e repare-se (o grande “bicho papão” que existe em contextos de alto rendimento), sem qualquer receio de prejuízo da capacidade de performance da equipa (por que sabem, em última análise, que estão mesmo é a elevar as condições de performance).
Por cá, fica o desafio para as empresas (e desporto em geral), que há muito, pessoalmente, vinco nas empresas e organizações desportivas com quem tenho a oportunidade de trabalhar, de se alinharem e criarem planos verdadeiramente focados nas necessidades das pessoas sem medos ou estigmas...
Ou não revelassem, as nossas “coxices” (entenda-se: fragilidades emocionais e físicas), também todo o nosso potencial de transformação e margem de progressão."
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