"Penza - Pushkin, para muitos o grande poeta russo, gostava de pensar na morte. E escreveu: “É triste minha estrada./ E me anuncia/ O mar mau do porvir dor e agonia./ Mas não desejo, amigos meus, morrer;/ Quero ser para pensar e sofrer.”
A morte aborrece-me. Não essa velha inqualificável, mazomba, de gadanha ao ombro e riso cariado. A morte: a morte mesmo de morrer. Não gosto da morte nem dos rituais da morte. Das cerimónias da morte e da tristezas tantas vezes artificiais do luto.
Arnaldo Jabor, o cronista brasileiro, perguntava-se: “Se até o Frank Sinatra já morreu, o que vai ser de mim?” Não sou como Soares dos Passos e não acredito no amor para lá da eternidade, campas lado a lado: “Porém mais tarde, quando foi volvido/ Das sepulturas o gelado pó/ Dois esqueletos, um ao outro unidos/ Foram achados num sepulcro só.” Só noivas sepulcrais têm direito a mortes de novela. Não sei se é possível fazer um embargo à morte, mas talvez alguém já tenha tentado. Aborrece-me de morte (é o termo certo) tudo o que é cerimónia funerária e só quero que acabem num instante no exacto momento em que percebo que duram para sempre.
Vendo bem, não quero mal à morte, apesar de saber que vai levar consigo todos os que amo e todos aqueles que ficam por ali na beirinha do verbo amar.
O meu mano Paulo Pimenta, cuja morte ainda me dói todos os dias desde que amanheço até que anoiteço, tinha um jeito especial e sorridente de chegar sempre tarde e foi até capaz de chegar atrasado ao próprio funeral. Admito que não tenho descaramento igual. E, se calhar, até já vou tarde... Terei, um dia, de viver com ela. Mas, querida, não esperes por mim se vires que não chego entretanto. Pelo menos hoje, para jantar..."
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