"Sochi – Sinal de decadência é quando o Chico Buarque aparece em Lisboa e a gente já não joga mais aquelas peladas contra o Polytheama, a equipa que nunca perde, porque o Chico não aceita a derrota e, mesmo derrotado, dá os parabéns ao adversário por se ter batido num jogo que nunca poderia ganhar. Está uma lua cheia, enorme, quase grávida no céu de Sochi. Ouvi-o cantar: “O malandro/ Na dureza/ Senta à mesa/ Do café/ Bebe um gole/ De cachaça/ Acha graça/ E dá no pé.” E ao ouvir o balanço desse sotaque musicado a que Olavo Bilac chamava “Última flor do Lácio”, parece que desencaixa da
“Die Dreigroschenoper”, de Brecht e de Kurt Weill, MacHeath, Mackie Messer, Mack the Knife, que Bobby Darin cantava mais languidamente – “Oh, the shark, babe/ Has such teeth, dear/ And it shows them pearly white/ Just a jackknife has old MacHeath, babe/ And he keeps it, ah, out of sight” – e o grande Francis Albert, de Hoboken, repete no espaço do bar que ameaça fechar, deixando-me ao sereno com aquela sede própria das madrugadas.
Um grupo barulhento de uruguaios foi-se desintegrando e se alguém andar por aí, “sneakin’ round the corner, could that someone be Mack the Knife?”
A rapariga morena que tenta levar para casa o amante circunstancial tem, de facto, dentes afiados de tubarão. Saem ambos tropeçando no céu como se fossem bêbados e recebo dela um último olhar, desencantado mas decidido. Com aqueles dentes, o que lhe fará ao pescoço? Olhos embotados de cimento e lágrima. Levanto-me e o Sinatra ainda canta: “Oh, that line forms on the right, babe/ Now that Macky’s back in town.” Também estou de volta à cidade. Pela porta entra a humidade do mar Negro como a noite. Lá fora, um silêncio estranho. Como se Deus dormisse."
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