"É o ar condicionado do trabalho, é o vizinho que deixa o carro em segunda fila, é o amigo que mete o pacotinho de açúcar vazio debaixo da chávena, é a mulher que não tirou a roupa da corda e começou a chover, é a piscadela de olho do José Rodrigues dos Santos a fechar o Telejornal.
A verdade é que nos irritamos muito.
Mais do que qualquer outra coisa, temos uma tendência alarmante para nos irritarmos. Com isso desgastamo-nos, ficamos cansados e vemos as tensões a subir.
Valeu a pena? Claro que não. Mas nós não sabemos desfrutar. Chateamo-nos por dá cá aquela palha - sobretudo se a palha vier molhada -, e sorrimos pouco perante a vida.
Ou o futebol.
Nós, portugueses, levamos tudo demasiado a sério. As coisas tornam-se um caso de vida ou de morte, quando no fundo deviam ser deixadas para trás porque estão moribundas.
Ora vem esta conversa a propósito da diferença em relação aos britânicos. Quem olha para Inglaterra, vê um futebol espirituoso. Provavelmente porque aquela gente afastou a violência dos estádios, erradicou a fúria, desviou a agressividade e afugentou a hostilidade.
Os ingleses querem ganhar antes de tudo o mais, claro, mas querem também desfrutar: divertir-se com o futebol. Ver a equipa a jogar bem, por exemplo.
O que nos leva ao estado actual do futebol inglês: cheio de treinadores estrangeiros.
Nesta altura, quase todos os grandes clubes ingleses têm treinadores que não são britânicos: Manchester City, Manchester United, Tottenham, Liverpool, Chelsea e Arsenal. Só o Everton resiste a esta tendência, sendo que, talvez por isso, é o único que não está nos seis primeiros lugares, a lutar por um apuramento para as competições europeias.
O primeiro treinador britânico na classificação da liga inglesa é Sean Dyche, no sétimo lugar, ao comando do modesto Burnley.
Mas há mais. Na liga inglesa há nove treinadores das ilhas britânicas, e cinco deles estão nos últimos cinco lugares da classificação. Para além destes ainda há mais dois a lutar por não descer (Brighton e Bournemouth) e dois a meio da tabela (Everton e Burnley).
Para quem se orgulha de ter inventado o futebol moderno, para quem já foi doze vezes campeão europeu de clubes, para quem deu ao mundo Bill Shankly, Bob Paisley, Brian Clough, Bobby Robson ou Alex Ferguson, devia ser duro olhar para estes números.
Mas a verdade é que os ingleses parecem pouco importar-se com isso.
É verdade que há uma ou outra discussão, é verdade que aparece sempre quem diga que a culpa é dos novos donos de clubes que chegam do estrangeiro, mas é verdade também que os próprios treinadores ingleses admitem estar desactualizados.
O futebol inglês evoluiu, modernizou-se, tornou-se mais continental e menos britânico, mas fê-lo sobretudo às costas dos técnicos estrangeiros.
Os treinadores ingleses não acompanharam o movimento.
Por isso irrita pouco as pessoas que os treinadores estrangeiros tenham tomado conta do futebol inglês. Eles querem é divertir-se, e se possível ganhar muitas vezes.
O futebol inglês tornou-se mais bonito e disputado por melhores jogadores.
Manteve aquele tão típico desportivismo, aquele respeito pelo jogo, aquela quantidade admirável de emoção, mas tudo embrulhado numa qualidade técnica que desconhecia por completo.
Que os treinadores britânicos não façam parte deste quadro, é apenas um pormenor.
Até porque os ingleses têm, em compensação, os melhores tratadores de relva do mundo.
Não se irrite, não é uma piada de mau gosto. É verdade. Grandes clubes como o Real Madrid, o Atlético Madrid ou o PSG têm hoje à frente das equipas de tratamento da relva especialistas ingleses. São os melhores do mundo nisso.
Diga lá que eles não fazem melhor em sorrir com isto tudo..."
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